Segunda sección: estudios e investigaciones
DOI: 10.11600/rlcsnj.22.2.6396
Artes visuais negras sobre a violência policial contra infâncias e juventudes negras*
Artes visuales negras sobre la violencia policial contra niñez y jóvenes negros
Black visual arts about police violence against black childhood and Youth
Matheus Silva Freitas Mg.1
Natalino Neves da Silva Ph. D.2
1 Universidade Federal
de Minas Gerais, Brasil. Graduado em Ciências Sociais, Universidade Federal de Viçosa. Mestre e Doutorando em Educação, Universidade Federal de
Minas Gerais. 0000-0001-6245-9085. H5: 4. Correio eletrônico: freitassmat@gmail.com
2 Universidade Federal de Minas
Gerais, Brasil. Graduado em Pedagogia,
Mestre e Doutor em Educação,
Universidade Federal de Minas Gerais. Professor Adjunto do Departamento de Administração
Escolar e do Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, Universidade
Federal de Minas Gerais. 0000-0002-1746-8713. H5: 4. Correio
eletrônico: professornatalino@gmail.com
Recibido: 21.12.2023 Aceptado: 08.04.2024 Publicado: 30.04.2024
Resumo (analítico)
A violência policial é um dos principais motes de sustentação
da racialidadena sociedade
brasileira, vitimando as infâncias
e as juventudes negras, desse modo urge compreender as representações e Elaborações sociais de tais experiências. Assim, busca-se analizar produções
artísticas visuais, elaboradas por artistas negros,
que expressam experiências
racializadas de crianças e jovens
negros com o policiamento
no Brasil. Foram analisadas
seis obras, de autoria de No Martins,
Sidney Amaral e Jota, produzidas
entre 2014-2021. Os resultados indicam que tais obras problematizam questões acerca das dimensões raciais do policiamento e seus regimes de vigilância, controle e violência.
Trata-se de elaborações artísticas visuais que, ao congregarem aspectos estéticos, éticos e sociais, indicam as tensões das infâncias e das
juventudes negras com a segurança
pública, articuladas por sujeição, resistência, morte e vida.
Palavras-chave: Violência; raça; juventude;
infância; polícia; artes visuais; Brasil. Tesauro de Ciencias Sociales de la Unesco.
Resumen (analítico)
La
violencia policial es una de las principales razones de sustentación de la racialidad en la sociedad brasileña, victimizando a niños y
jóvenes negros, por lo que es urgente comprender las representaciones sociales
y elaboraciones de tales experiencias. Así, se busca analizar producciones
artísticas visuales, creadas por artistas negros, que expresan experiencias
racializadas de niños y jóvenes negros con la actuación policial en Brasil. Se
analizaron seis trabajos de los autores No Martins, Sidney Amaral y Jota, producidos entre 2014 y 2021. Los
resultados indican que estos trabajos problematizan cuestiones sobre las
dimensiones raciales de la actuación policial y sus regímenes de vigilancia, control
y violencia. Se trata de creaciones artísticas visuales que, al reunir aspectos
estéticos, éticos y sociales, señalan las tensiones entre infancias y
juventudes negras y la seguridad pública, articuladas por el sometimiento, la
resistencia, la muerte y la vida.
Palabras clave: Violencia; raza; jóvenes; niñez; policía; artes visuales; Brasil.
Abstract
(analytical)
Police violence is one of the main
reasons for sustaining raciality in brazilian society, victimizing black children and youth,
therefore it is urgent to understand the social representations and
elaborations of such experiences. Thus, we seek to analyze visual artistic productions,
created by black artists, which express racialized experiences of black
children and young people with policing in Brazil. Six works were analyzed,
authored by No Martins, Sidney Amaral and Jota, produced between 2014 and 2021.
The results indicate that these works problematize questions about the racial
dimensions of policing and its regimes of surveillance, control and violence.
These are visual artistic creations that, by bringing together aesthetic,
ethical and social aspects, indicate the tensions between black childhoods and
youths and public security, articulated by subjection, resistance, death and
life.
Keywords: Violence; race; youth; childhood; police;
visual arts; Brazil.
Introducción
Neste artigo, temos como objetivo analisar
obras de artes visuais elaboradas por artistas negros
brasileiros que expressam experiências
racializadas entre infancias e juventudes negras[1]
com agentes de segurança
pública, em especial com as polícias.
Tratase de abordar as artes visuais
produzidas por esses
artistas contemporáneos sobre representações do contato e violência policial
contra jovens e crianças
negras. A análise referese
a seis obras, de autoria de No Martins,[2]
Sidney Amaral[3]
e Jota,[4]
produzidas entre 2014 e 2021. Buscamos instigar e
problematizar as expressões dessas
produções estético-visuais
acerca das dimensões raciais
do policiamento sobre esses
grupos geracionais e étnico-raciais.
Compreendemos que tais obras constituemse como elaborações visuais produtoras de conhecimentos,
sensibilidades, estéticas e éticas propícias para
problematizar as relações e as tensões
entre violência, racismo, juventudes, infâncias e segurança pública no Brasil.
Os trabalhos artísticos possuem
a potencialidade de gerar
visualidades que ex pressam processos
cotidianos de sujeição e interdição
racial e, ao mesmo tempo, insurgencias e indignação frente aos regimes de vigilância e policiamento.
No
âmbito das Ciências Sociais, infância e juventude são categorias
geracionais que, na percepção de Juarez Dayrell (2003) e Sarmento (2008),
possibilitam-nos problematizar imaginários
de transitoriedade que recaem
sobre crianças e jovens. Tais categorias sociológicas entendem que a condição juvenil e
a infância são momentos em
si mesmo com sentidos, importâncias
e valores próprios do presente vivido (Dayrell, 2003; Sarmento, 2008).
Por
essa perspectiva, partilhamos
o reconhecimento das crianças
e dos jovens como sujeitos sociais. Essa noção,
no caso da infância, desafia
as imagens e os papéis sociais
destinados às crianças como
incompletas e subalternas ao universo adulto (Sarmento, 2008). A atenção se
volta para as crianças como sujeitas
ativas nos processos de socialização e «não como destinatários passivos da socialização adulta» (Sarmento,
2008, p. 5). Desse modo, a depender das
características históricas, espaciais e temporais, as crianças enquanto atores sociais expressam suas particularidades nas relações intergeracionais,
com estatutos culturais,
simbólicos e sociais próprios
(Sarmento, 2008).
Ao
compreender os jovens como sujeitos sociais, de acordo com Dayrell
(2003), somos instados a evidenciar, por um lado, que
a condição juvenil é uma posição geracional ativa, possuidora de escolhas e interesses e, por outro lado, que diferentes dimensões
sociais, tais como classe, gênero, raça, cultura etc., interferem no
modo como as condições e as identidades juvenis são vivenciadas e
representadas.[5]
O
artigo está organizado em quatro seções,
além desta introdução e das considerações finais. Na próxima, apresentamos brevemente o dispositivo de racialidade que sustenta as relações
e tensões entre infâncias e
juventudes negras com o policiamento
no Brasil. Na segunda, destacamos algumas
dimensões conceituais
relativas à análise das artes visuais.
Já na terceira
seção, apresentamos o percurso metodológico da pesquisa e, na
quarta seção, a partir dos
resultados e das discussões, buscamos interpretar as
obras selecionadas dos artistas supracitados
ao articulá-las e situá-las com a literatura
especializada
Infâncias,
juventudes negras e violência policial:
tensões-relações
entre as condições de vida e
de morte
Nesta seção pretendemos situar a violência
policial contra infâncias e juventudes egras no quadro de entendimento das relações raciais e do racismo no contexto brasileiro. As relações raciais no Brasil,
segundo Carneiro (2023), podem ser compreendidas como um dispositivo
de racialidade.
A
racialidade constitui-se como um modo de classificação social, pactuado na dominação e exclusão social, que emerge especialmente a partir do final
do século XV, com as expedições coloniais europeias. Em síntese, é uma noção relacional que
corresponde à «interação de grupos racialmente
demarcados sob os quais pesam concepções histórica e culturalmente
construídas acerca da diversidade
humana» (Carneiro, 2023, p. 22)
O
dispositivo de racialidade é responsável
pela produção de «um campo
ontológico, um campo epistemológico e um campo de poder, conformando, portanto,
saberes, poderes e modos de subjetivação cuja articulação institui um dispositivo de poder»[6]
(Carneiro, 2023, p. 44). Essa produção
de poderes, saberes e subjetividades segue, conforme
a autora, uma divisão
ontológica: a «afirmação do ser das pessoas brancas se dá pela negação do ser das pessoas
negras» (Carneiro, 2023, p. 13).
Desse modo, o
dispositivo de racialidade engloba um conjunto de mecanismos de opressão,
com dinâmicas de biopoder, epistemicídio e interdições que, simultaneamente, são tensionados
pelas resistências negras (Carneiro, 2023). Um dos efeitos operantes de tais mecanismos é a violência, em
seus regimes de vigilância, controle e sujeição.
Segundo
Carneiro (2023, p. 67), «a racialidade inscreve a branquitude no
registro da vida e a negritude no signo da morte». Nesse sentido, a racialidade e as suas violências contribuem para
criminalizar e exterminar os corpos, vidas e territórios negros (Carneiro, 2023; Theodoro,
2022). A violência como prática
do Estado, especialmente através das instituições e agentes de segurança
pública, segundo Theodoro (2022), funciona como um elo de sustentação
de uma sociedade desigual assentada no racismo, como a brasileira.
Uma violência que, efetivamente, assume formas diversas contra a população negra
(...) mas que se consolida principalmente como a violência do cotidiano de mortes,
decorrentes de disputas do tráfico, das milícias e de uma polícia que se faz presente não
para a garantia da segurança
e da vida, mas para a repressão,
quando não o extermínio. (Theodoro, 2022, p.
29)
A
letalidade policial é um
índice saliente dessa condição
de violência. Embora «nem toda morte causada pela polícia constitui necessariamente um ato de violação»,[7]
conforme Naidin (2020), o Brasil acumula recordes mundiais de letalidade policial e a sua maior parte é «fruto do uso abusivo do poder letal pela polícia» (pp. 2-3). Essa ação violenta da polícia
brasileira deriva de um conjunto de continuidades
históricas, que podem ser sintetizadas, conforme a
literatura, em dois marcos fundamentais:
o regime colonial escravocrata,
entre os séculos XVI e XIX, e a ditadura
militar, entre os anos 1964 e 1985 (Bretas & Rosemberg, 2013; Naidin, 2020).
Desde
então, no Brasil, ao longo
da história republicana, os usos ilegais
e abusivos da violência não
se constituem como exceções
na atuação policial, ao contrário, apresentamse
como «um método do qual se lança
mão pela sua suposta eficácia no combate à criminalidade» (Naidin, 2020, p.
6, ênfase da autora). Na
cultura policial, a depender dos posicionamentos institucionais de governantes e corporações, segundo Naidin
(2020), as mortes causadas pelas polícias
são ponderadas como «indício
de "produtividade" policial» (p. 6).
Um conjunto de
pesquisas com dados quantitativos
de violência letal e de homicidios por armas de fogo analisam atributos de raça, gênero, geração,
território e classe social
que sinalizam os homens
negros jovens pobres moradores de regiões
periféricas como as principais vítimas
de mortes violentas, «da ação
letal das polícias e o perfil predominante da população prisional do Brasil» (Cerqueira et al., 2018, p. 41; Naidin, 2020).[8]
Dito de outro modo, a seletividade
racial na atuação pública
policial e judicial constituem-se como
mecanismos complementares na produção
da violência e da racialidade
no país.
O racismo opera no seio
das instituições judiciárias
e de segurança pública em suas
diversas fases e ações, o que faz com
que a violência e a falta de justiça
assumam um papel de destaque
no funcionamento da sociedade
desigual. Trata-se do elemento aglutinador, a amálgama,
o sedimento da sociedade desigual e seu principal sustentáculo. A polícia
que vai à favela é também uma polícia política, um braço do Estado que está ali únicamente para a tarefa de repressão,
mas uma repressão
que é fundamentalmente política e cuja violencia é muitas
vezes letal e não aceita divergências. (Theodoro, 2022, p.
29)
A
relação da racialidade e
das juventudes com a atuação
policial e judiciária é, portanto,
tensa, trata-se, em síntese de «políticas de segurança que denotam o racismo
institucional em seus resultados: mais
mortos, mais vulnerabilidade à violência e mais presos entre os jovens
negros» (Sinhoretto & Morais, 2018, p. 19).
Essas informações, fruto de dados públicos, conferem
consequências interpretativas para o combate às desigualdades e opressões sociais na sociedade
brasileira, considerando que «as mortes em decorrência de ação policial são um fator importante para a compreensão das relações entre violência e racismo» (Sinhoretto
& Morais, 2018, p. 18). Violências raciais dessa magnitude
são denunciadas pelos movimentos
sociais negros como um «genocídio da juventude negra», uma expressão conceitual
e política que congrega protestos e demandas por justiça
racial, com a responsabilização
do Estado, especialmente a partir da segunda década dos anos
2000 (Ramos, 2021; Sinhoretto & Morais, 2018).[9]
Além das juventudes,
as adolescências e as infâncias
também são acometidas por esse tipo de violência com viés racial, a partir da atuação das forças de segurança pública (Rede de Observatórios
da Segurança, 2021). Desde pequenos,
adolescentes e crianças negros experimentam
contatos tensos e desrespeitosos
por parte do policiamento. Por exemplo,
Theodoro et al. (2023) verificam que existem diferenças nos contatos de crianças e
adolescentes com a polícia,
conforme o atributo racial dos/as adolescentes.[10]
De acordo com a pesquisa
realizada na cidade de São
Paulo, a «filtragem racial e seletividade
das abordagens policiais estão presentes muito cedo na vida de crianças e
adolescentes (Theodoro
et al.,
2023, p. 10). Soma-se a isso, o fato de que «é também na mais
tenra idade que os jovens pretos se tornam alvos do policiamento ostensivo e das formas mais
intrusivas e violentas de ação policial» (p. 10).
Noguera
(2020) conceitua como necroinfâncias
as condições
de morte das crianças negras
e destaca que há um
«conjunto de práticas, técnicas e dispositivos que não permitem que as crianças negras gozem a infância» (s. d.). Noguera deriva essa
ideia da noção de necropolítica, proposta por
Achille Mbembe (2018b), que acentua
como as categorías de morte e vida são cruciais para entender as ideias de sujeito, soberania e política na modernidade. A necropolítica é compreendida como o ato de «submissão
da vida ao poder da morte» e do direito de matar que não é mobilizado apenas pelo
Estado, mas também por agrupamentos
que se erguem como soberanos e constroem
figuras de inimigos (Mbembe,
2018b, p. 71).
Desse modo, ao evidenciarmos as condições das juventudes e das infâncias
negras em contato perverso com
o policiamento no Brasil, destaca-se um conjunto de tensõesrelações entre
as condições de vida e de morte. Segundo Abramowicz (2020),
«não podemos falar de crianças
abstratas e de direitos das
crianças (...) sem falar
das crianças concretas e mortas
no Brasil» (p. 8). Por essa perspectiva, Arroyo
(2015) questiona: «como esperar o avanço
do direito à educação dos jovens-adolescentes negros e pobres se eles são condenados como violentos e exterminados como delinquentes? Sem direito à vida haverá direito à educação?» (p. 31). Em linhas gerais, Abramowicz (2020) e Arroyo (2015) destacam
que não há como falar nos direitos das crianças, dos
adolescentes e dos jovens sem
considerar a seletividade sociorracial
e geracional dos homicídios
no país, de modo que o direito à vida ainda é uma questão
para esses sujeitos. Como
veremos mais à frente, o intuito aqui
neste artigo é, justamente, analisar
as relações/tensões entre
as experiências das infâncias
e das juventudes negras com a polícia,
a partir de elaborações artístico-visuais.
Artes visuais negras e o «embaralhamento» de expressões sociais, estéticas e éticas
Nesta seção, objetiva-se abordar, de forma breve, sobre a
perspectiva analítica das artes visuais que nos guia. Inicialmente, cabe registrar que um
conjunto de abordagens marcam
o interesse e a relação das
Ciências Sociais com as Artes Visuais.
Especialmente no período após a Segunda Guerra, a
partir da segunda metade do século
XX, emergiram e ganharam fôlego agendas de interpretação
das artes visuais com
protagonismo para as questões sociais
das periferias globais, com
críticas às opressões coloniais (Fletcher et al., 2015). Por essa perspectiva, a
arte é compreendida como um
fenômeno de reflexão
permanente, envolta por diferentes regimes visuais e diálogos epistêmicos (Fletcher et
al., 2015). As análises,
nesse sentido, consideram posicionamentos artísticos relacionados com
alteridades e desigualdades, de acordo com diferentes contextos sócio-políticos
e experiências de vida. Trata-se da interpretação de «produções
artísticas possíveis de serem
tomadas como células portadoras de discursos geradores
de reposicionamentos sígnicos» (Fletcher et al., 2015, p. 421).
Para
analisar as obras de artes visuais
que abarcam as relações
violentas da policía com crianças
e jovens negros, inspiramonos
na abordagem das existências negras no vestígio, proposta por Sharpe (2023), que tem
por intuito «tramar, mapear e coletar os arquivos do cotidiano da morte
negra imanente e iminente, bem como em rastrear as maneiras
como resistimos, rompemos e perturbamos essa imanência estética e materialmente» (p. 34).[11]
Assim, rastrear os
modos como as resistências se dão,
para a autora, é também abordar as práticas e as produções
artísticas e culturais. Dessa
forma, Sharpe (2023) busca focalizar as condições contemporâneas e cotidianas de violência
racial e colonial «no intuito de perguntar o que, se
é que algo, sobrevive a essa persistente exclusão das pessoas negras, a essa negação ontológica, e como a
literatura, a performance e a cultura visual observam
e medeiam essa (não) sobrevivência» (p. 35).
Essa perspectiva das
artes como mediação e elaboração
contra e a partir da exclusão sociorracial
também comparece nas proposições de Mbembe (2018a).
Para populações racializadas, vítimas
de humilhação e sujeição,
como os povos negros, a produção
artística, assim como a criação
religiosa, segundo Mbembe (2018a), representa um ato de «defesa contra as forças
de desumanização e da morte»,
um «invólucro metafísico e
estético» (p. 299).
A obra de arte nunca teve por função principal simplesmente
representar, ilustrar ou narrar a realidade.
Sempre foi da sua natureza embaralhar
e mimetizar de uma só vez
as formas e as aparências originais.
É verdade que, enquanto
forma figurativa, ela mantinha
relações de semelhança com o original. Mas, ao mesmo tempo, ela redobrava constantemente esse
mesmo original, ela o deformava,
dele se afastava e, acima
de tudo, ela o conjurava. (Mbembe, 2018a, pp.
299-300).
Assim, Mbembe (2018a) nos ajuda a pensar
a criação artística negra como uma
conjuração[12]
e embaralho, e não como uma mera exposição ou representação da realidade. A possibilidade da
arte em redobrar e embaralhar
a suposta realidade que Mbembe (2018a) chama a atenção se
conecta também com a potencialidade que as artes possuem
em lançar sensibilizações e
revides históricos (Rosa, 2022). Jota, um dos
artistas que tem sua obra aqui analisada, disse, em entrevista, que a sua
arte «tem a denúncia, a
crítica, mas também a proteção,
o livramento» (Redação
Tupi, 2023), ou seja, ao mesmo tempo que elabora sobre a violência,
busca livrar-se dela.
Portanto, um dos desafios analíticos na abordagem das artes, de modo geral, e específicamente das artes visuais,
é ir além da chave da descrição e da representação, e
pensar as artes como mediações, elaborações,
expressões que compõem e geram sentidos, entendimentos,
saberes, conhecimentos, significados, sentimentos, pensamentos,
estéticas, éticas, denúncias, anúncios
(Martins, 2021; Rosa, 2022; Sharpe, 2023).
Nesse sentido, cabe mobilizar a fala de No Martins, outro artista com o qual trabalhamos, em uma entrevista, ao refletir sobre sua obra, ele diz: «eu chamo para discussão e não para beleza» (Metrópolis, 2019). Esse direcionamento à discussão e ao debate nos permite refletir
junto com Martins (2021)
sobre as artes enquanto elaborações estéticas e éticas, de modo que os valores
estéticos são também
éticos: «em muitas culturas, entre elas as africanas e as afrodescendentes,
a produção estética nos remete a padrões,
formas, convenções e estilizações,
assim como a visões de
mundo que as substanciam» (pp. 68-69).
Em
uma perspectiva de expansão
das situações de linguagens
e sentidos, Martins (2021) destaca, a partir das noções conceituais de corpo-tela e corpo-imagem, a potencialidade das imagens e
visualidades em provocarem pensamentos
e conceberem saberes e conhecimentos
próprios e singulares.
O corpo-tela
como corpo-imagem faz-se também
como imagem mental, aliando a aparência
do ser às suas vibrações, portando e postulando pensamentos.
Como nos alerta Etienne Samain,
imagens são formas
pensantes. Como tal, veiculam pensamentos
que de várias maneiras nos afetam e cujas recepção e percepção têm o poder de também afetar e prolongar, no
tempo, as imagens e suas aderências, pois «toda imagem (um desenho,
uma pintura, uma escultura,
uma fotografia, um fotograma de cinema, uma imagem eletrônica ou infográfica) nos oferece algo
para pensar: ora um pedaço
de real para roer, ora uma faísca
de imaginário para sonhar».
(Martins, 2021, pp. 78-79).
Dessa maneira, as imagens e as
visualidades pensam, problematizam,
instigamnos. Sugerem e tensionam os fenômenos sociais e, portanto, estão envoltas pelas relações de poder. As artes, segundo da Rosa (2022), uma vez que «nos orienta[m] sobre os tempos e as relações humanas e os dilemas mais
ardidos» (p. 188), carregam a possibilidade
de nos educar e nos deseducar. Longe de uma compreensão idealista do
campo artístico, podemos considerar as artes visuais como «potenciais para
deflagrar uma pedagogia
incidente e diálogos politizados e politizantes para
os diversos grupos sociais e para as formas como estes
grupos podem pensar regimes
de visualidade próprios»
(Fletcher et al.,
2015, p. 422).
Essa perspectiva nos é
cara pois, conforme de la Fuente (2018), no contexto afrodescendente da América Latina, a arte constituise como uma «força para a mudança social, um espaço onde novos futuros e agendas para a justiça
racial se tornam possíveis»
(p. 452). Tal contribuição ocorre,
segundo o autor, pela capacidade das artes
afro-latino-americanas, especialmente as visualidades, atuarem
como exercício contra hegemônico:
Quando refletimos sobre as contribuições da arte afro-latino-americana, vale a pena considerar como as representações
visuais articulam ideias sobre raça, classe, gênero, nação e inclusão que, de outra forma, seriam difíceis de transmitir na esfera
pública. Pela recombinação e síntese
criativas de uma variedade de discursos, as artes visuais
são capazes de produzir e disseminar novos conteúdos, mesmo em
ambientes em que a discussão explícita de tais conteúdos não seja bem-vinda.
(Fuente, 2018, p. 454)
Desse modo, as artes visuais negras vão se constituindo como possibilidade de geração de
estéticas, éticas, problematizações e críticas de situações sociais, como é o caso das
tensões-relações entre infâncias
e juventudes negras com a atuação
e a violência policial, tema ainda
controverso e pouco
debatido no Brasil, apesar das denúncias
serem históricas (Naidin,
2020; Ramos, 2021; Sinhoretto & Morais, 2018).
Percurso metodológico
A
pesquisa realizada foi de natureza
descritiva e analítica, com
um enfoque qualitativo (Flick, 2009), pois pretendemos
identificar e interpretar elementos constitutivos de produções
artísticas visuais que expressam
experiências racializadas de crianças
e de jovens negros com o policiamento no Brasil.
Foram analisadas seis obras de artes visuais,
na modalidade de pinturas,
conforme pode ser observado no Quadro 1 Tais obras foram selecionadas a partir de um levantamento exploratório de produções artísticas negras contemporâneas
no Brasil, em meios virtuais,
como sites e redes sociais (Instagram, por exemplo) e em visitas a exposições
individuais e coletivas. O
principal critério de seleção
das obras a serem analisadas
foi a presença e/ou referência às
experiências de crianças e/ou jovens negros com algum tipo de atuação policial.
Quadro 1 Obras analisadas

Conforme
apresentado na seção anterior, a fundamentação
epistemológica da investigação encontra-se
assentada na perspectiva
das visualidades artísticas como mediações estéticas
e éticas da complexidade das experiências
negras (Martins, 2021; Rosa, 2022; Sharpe, 2023), entendendo-as como exercício
contra hegemônico (Fuente, 2018). Sendo assim, a descrição e a análise, no âmbito metodológico, ocupam-se em refletir, a partir das
obras de artes, quais as relações,
as tensões e os regimes sociais do contato policial com crianças e jovens negros que as visualidades artísticas referenciam, manifestam, problematizam e/ou confrontam.
A
estratégia de análise das
obras foi conduzida através da identificação de
elementos e condições que envolvem
as dinâmicas sociorraciais
e geracionais (crianças e jovens negros) com a segurança pública (polícias). Desse modo, a interpretação foi realizada observando os recursos, os contextos e os
elementos visuais mobilizados
pelos artistas em suas obras em diálogo com estudos sobre essa temática. Atenção especial foi dada às cenas, aos gestos, às disposições e às linguagens exploradas nas
visualidades artísticas (Martins, 2021; Rosa, 2022)
Em
que pese a garantia da integridade
ética e metodológica cabe registrar que as imagens
das obras de arte são oriundas de páginas públicas da
internet e estão acompanhadas,
ao longo do texto, das devidas
fontes e referências.
Resultados e discussão
Regimes de vigilância, controle e violência
policial contra infâncias e juventudes negras: análises a partir das artes visuais
Nesta parte, analisamos seis obras de artes visuais
de autoria de três artistas
negros brasileiros contemporâneos: No Martins, Jota e Sidney Amaral. A análise é focada em pensar as expressões e as elaborações
artísticas, visuais e críticas dos contatos, encontros e experiências racializadas com
agentes de segurança pública, como as polícias, no Brasil.
As duas primeiras obras analisadas aqui são trípticos de No Martins, conjuntos de três
pinturas conectadas por uma única moldura. Em Campo Minado (figura 1
) vemos, ao centro, um
autorretrato do artista, posicionado com as mãos na parede,
expresando uma abordagem
policial. Há ainda, ao centro, além de uma sacola ao
chão, um número 13 marcado na parede que, como o próprio No Martins conta, foi a idade que vivenciou o primeiro enquadro policial (Arte|ref,
2019).
Nota.
Acrílica sobre metal e tela, 220 x 430 cm. Tomada de https://artebrasileiros.com.br/arte/exposicoes/ no-martins-individual-social-signs/ © No Martins, 2019. Reproducida
bajo el amparo de las leyes colombiana (Ley 23) y brasileña (art. 46 Lei 9610 de 1998) en tanto que su uso corresponde a una
investigación científica, es un uso honrado (de un bien no comercializable) y
su difusión en la revista no tiene ánimo de lucro.

Figura 1Campo
Minado
Em
uma das partes laterais há um outro
autorretrato, em uma placa de proibição,
com letreiros de fontes diversas formando a frase: «proibido
a circulação de individuos fora
dos padrões». No outro
lado, há um conjunto de
símbolos de instituições como judiciário,
universidade, galeria de
arte e banco dispostos com uma câmera de vigilancia que foca
o centro da obra e um cone
e fita de impedimento, com uma outra placa de proibição indicando «proibido a
entrada de pessoas estranhas».
Desse modo, a obra
abarca uma multiplicidade
de elaborações visuais
sobre os regimes de vigilância
e de impedimento social direcionados aos sujeitos «fora
do padrão» ou «estranhos». Sharpe (2023) posiciona o enquadro
policial como uma das principais
características da existência negra no vestígio, pela demarcação de
antagonismos estruturais: «o baculejo
é um rito de passagem que
marca, por um lado, o espaço,
a raça, o lugar sem direitos e sem cidadania (...) e, por outro, o espaço através do qual os direitos à passagem livre são garantidos para pessoas não negras» (p. 156).
Logo,
uma sugestão feita pela obra é a do impacto da relação
de jovens negros com o policiamento na interdição ao acesso
e à circulação pela experiência
social. A «abordagem policial racializada» (Theodoro et al., 2023, p. 14) é, nesse sentido, uma chave para as interdições
provocadas pelo dispositivo de racialidade. Em tais ações, conforme a obra Campo Minado nos ajuda a problematizar, os jovens
negros são interditados enquanto seres humanos, sujeitos
de direito políticos e cognoscentes justamente pela formação de um imaginário de inferioridade, anormalidade, monstruosidade e delinquência endereçados aos corpos e territórios
negros (Carneiro, 2023).
Destaca-se que um dos recursos utilizados
pelo artista é o autorretrato como possibilidade de
indagar a sua condição
juvenil negra e a relação/tensão
com a polícia. Ao elaborar um autorretrato passando por um enquadro policial, No Martins desloca os próprios sentidos usuais desse gênero
de arte visual e produz uma
versão situada nos mecanismos de seletividade
racial do policiamento.
Senhora Injustiça, na figura 2
, outra obra de No Martins, também composta de três partes, traça de forma
explícita um encontro
racializado com a polícia e
destaca a justiça como ponto central. Em um dos lados da obra, é possível
ver viaturas e policiais
posicionados, apontando as suas
armas ao centro, onde há um autorretrato do artista, com
os cabelos enrolados no rosto e traços
vermelhos formando uma mão. Os números em tela são o do seu registro de identidade. Do outro lado, há interações e confrontos com a polícia, algumas pessoas aparecem imobilizadas no chão, outras sendo
abordadas e outras insistentes, em algum tipo de confronto.
Nota.
Acrílica, fotografia, purpurina, spray e óleo sobre
tela, 120.5 x 210.3 cm. https://masp.org.br/index.
php/acervo/obra/senhora-injustica
© No Martins, 2017. Reproducida bajo el amparo de las
leyes colombiana (Ley 23) y brasileña (art. 46 Lei
9610 de 1998) en tanto que su uso corresponde a una investigación científica,
es un uso honrado (de un bien no comercializable) y su difusión en la revista
no tiene ánimo de lucro.

Figura 2
Senhora
Injustiça
Leandro
Muniz (2022) comenta que esse autorretrato de No Martins pode ser visto como uma paródia da alegoria da justiça, que tradicionalmente é apresentada
como uma mulher branca com uma venda nos olhos, pactuando a ideia de uma «justiça
cega» e silenciada/ silenciosa, que não vê e não
fala. O contorno de uma mão
sobre a boca do autorretrato do artista sinaliza ainda para as interdições de fala
e discurso, evidenciando o silenciamento. Muniz
(2022) analisa que «a sequência
das três telas produz uma narrativa sobre a violência
do início, meio e fim das abordagens policiais, porém, a serenidade do autorretrato contrasta com
a turbulência das imagens nas laterais» (s. d.). Assim, a centralidade da justiça, com a apresentação de uma imagem mais serena, pode indicar
a sua indiferença frente aos atos de violência,
de abuso e de letalidade policial.
Theodoro
(2022) problematiza o modo como a justiça
posiciona-se em relação à violencia policial
racializada. Segundo o autor, a seletividade policial
geralmente é fortalecida pelo judiciário,
ou seja, «o tratamento diferenciado para negros e brancos
por parte do Estado policial é chancelado por um Poder Judiciário que respalda
a ação discricionária,
violenta e parcial da polícia, ação
esta que ultrapassa em muito os limites da legalidade» (Theodoro, 2022, pp. 318-319).
Senhora Injustiça questiona a noção e a instituição da justiça no centro das violências policiais ao evidenciála
como «injustiça». Dessa
forma, além de destacar o racismo como característica
da violência policial, podemos entender que a obra também o compreende como um aspecto na atuação
do judiciário. Cabe registrar um
determinado consenso, entre ativistas e pesquisadores, em uma avaliação negativa sobre «funcionamento
da justiça para coibir o
racismo na atuação
policial» (Sinhoretto & Morais, 2018, p. 22). Além disso, familiares de vítimas da ação letal da polícia, segundo Naidin (2020), empreendem lutas dolorosas e exaustivas nos órgãos de justiça para comprovarem abusos
cometidos por policiais.
A
presença de crianças,
especialmente de meninos pretos, em contato com a polícia,
tem centralidade em outras duas obras de No Martins. Em Stop e em Vigiar e Punir, a relação entre as crianças e os adultos policiais
pode ser apreciada a partir da interligação dos eixos de subordinação social,
racial e geracional. Indicam
como a alteridade geracional
evidencia uma imagem de subalternidade das crianças em relação aos posicionamentos
adultos (Sarmento, 2008), assim
como também podemos pensar em relação
à racialidade, entre negros e brancos
(Carneiro, 2023).
Em
Vigiar e Punir (figura 3
), estão presentes
elementos e ações contrastivas: muitos
homens, adultos, policiais,
com botas, coturnos e escudos em fileira
e somente uma criança brincando. A obra nos abre a possibilidade
de pensar, por um lado, na relação solitária e vulnerável da criança brincando e
o conjunto de homens que a cercam
e a policiam. Um contraste
de tamanho e escala, geracional,
de objetos (brinquedos e aparatos policiais)
e de fazeres (brincar e vigiar/punir). Por outro lado, a obra ainda manifesta um sentido rico de afastamento e vazio,
especialmente com os fundos nas
cores azuis e rosa, na parte da criança, conotando uma expansão
e uma profundidade, que nos
deixa em aberto o que há nesse afastamento.
Embora estejam próximos, há uma distância
entre os policiais e a criança
que pode nos acenar tanto para a força
e poder da polícia quanto para a vulnerabilidade e a
resistência da criança
negra brincando.
O
título da obra dialoga com essa
elaboração visual dos policiais
e da criança. Conforme destaca Jean Tible (2022), o policiamento no
Brasil, com seus
fundamentos coloniais, possui
um tradicional aparato de repressão
que é responsável pela vigilância
e conhecimento de corpos e territórios para sua posterior repressão e punição. Esse binomio da vigilância e punição, tão característico da polícia, e em especial da sua atuação mais perversa, como as de
violência e abuso, é destacado por González (2020):
«a sistemática repressão policial, dado o seu caráter racista, tem por objetivo próximo a instauração
da submissão psicológica através
do medo» (p. 85), ou seja,
impacta as condições existenciais
e subjetivas da população negra
Nota.
Acrílica sobre tela, 200 x 300 cm. Tomada de https://artebrasileiros.com.br/arte/exposicoes/nomartins- individual-social-signs/ © No Martins, 2020. Reproducida bajo el amparo de las leyes
colombiana (Ley 23) y brasileña (art. 46 Lei 9610 de
1998) en tanto que su uso corresponde a una investigación científica, es un uso
honrado (de un bien no comercializable) y su difusión en la revista no tiene
ánimo de lucro.

Figura 3
Vigiar e Punir
E
tal situação se torna ainda
mais tensa quando se trata
de crianças. Sharpe (2023) nos fala da «impossibilidade da infância
negra» ao destacar a existência
de um repertorio de representações
que são acionadas quando pensamos em uma «criança» e em uma «criança negra», de forma que «o significado de criança, quando apreende a negridade, cai... aos pedaços»
(pp. 145-146). Em outras palavras,
as crianças negras não são imaginadas, vistas e/ou
tratadas com os mesmos sentidos de infância que as crianças brancas,
como exemplo, a «inocência»
ou o «brincar» infantil.
A
esse respeito, Stop (figura 4
), outra obra de No Martins,
organiza em tela, uma cena, ao
mesmo tempo, perturbadora e insurgente. Um encontro racializado entre um policial
homem branco e um menino negro. Eles se olham: o
policial, em uma posição estática,
imponente, em continência, e o menino, em movimento, caminha com uma placa de trânsito, escrito «stop» (pare). Outros
elementos enriquecem entendimentos,
como a farda do policial escrito «Estado» e «State», assim como uma câmera posicionada para o policial.
Nota.
Acrílica sobre tela, 250 x 200 cm. Tomada de https://ims.com.br/convida/no-martins/ © No Martins, 2020. Reproducida
bajo el amparo de las leyes colombiana (Ley 23) y brasileña (art. 46 Lei 9610 de 1998) en tanto que su uso corresponde a una
investigación científica, es un uso honrado (de un bien no comercializable) y
su difusión en la revista no tiene ánimo de lucro.

Figura 4 Stop
Essa condição do Estado ser vigiado, ou
de que o encontro entre o menino e o policial está sendo filmado pode ser compreendida
com a utilização da ironia. Como um recurso fértil
para elaborar críticas, a ironia é uma dimensão importante para as
artes negras decididas em desvelar sistemas de opressão
de forma complexa (Rosa, 2022).
Em
Stop e
em Vigiar e Punir explorase, de certo modo, um convívio cotidiano de crianças negras, especialmente de meninos pretos, com o policiamento.
Conforme Theodoro et
al. (2023) refletem,
as relações com a polícia possuem impactos na socialização de crianças e de adolescentes e em suas
visões sobre essa instituição e política pública de segurança.
Assim, se considerarmos que
tais fases da vida são cruciais na construção
de visões de mundo, o «uso exacerbado de abordagens policiais é nocivo
para a visão que os cidadãos
têm da instituição
policial» e «o excesso de contatos
com a polícia afeta sobretudo a confiança que as pessoas depositam nessa instituição» (Theodoro et al., 2023, p. 16).
Além disso, podemos pensar como esse movimento do menino em carregar essa placa concebe-se como um gesto insurgente e de indignação. Segundo Nilma Lino
Gomes (2020), os saberes/conhecimentos indignação, embora sejam elaborados históricamente pelas resistências
negras, são construídos em
contextos de acirramento da violência,
de desigualdades e de racismo. Constituem-se um tipo de conhecimento emancipatório e inconformado a partir das experiências de dignidade/indignidade, pois «quanto mais indignas forem as situações, as condições e a forma do racismo se impor
aos negros e às negras, mais a dignidade dessas pessoas é atingida»
(Gomes, 2020, p. 369). Tais conhecimentos/
saberes indignação, ainda
segundo Gomes (2020), são afirmados a partir de
gestos, memórias e emoções,
e estão presentes, dentre outras lutas, nas
ações contra a violencia policial.
Assim sendo, o gesto do
menino carregando a placa stop, em passagem pelo policial, reveste-se
de nuances de insubordinação
e de insurgência, considerando que as relações entre infâncias negras e
a ação policial geralmente
é marcada por abusos e violações (Reis, 2021; Theodoro et al., 2023).
Tal
indignação apresenta-se também em Mãe preta (ou a fúria
de Iansã), na figura 5, de Sidney Amaral. Nessa obra, está em evidência o enfrentamento de uma mulher negra com um facão com
três policiais brancos com armas de fogo. Um deles, com as mãos ensanguentadas,
aponta a arma para um jovem negro rendido ao chão.
A
imagem e o seu título carregam um conjunto de referências e simbologias.
Anunciada pelo próprio artista, a obra é inspirada em uma cena do filme Cristo Rey.[13]
O artista, ao denominar a obra de Mãe preta (ou
a fúria de Iansã), articula a visualidade a duais dimensões simbólicas da sociedade brasileira. Uma, a Mãe Preta, nominalmente
referente às maternidades negras, encarregadas
do cuidado dos filhos dos escravizadores,
nas casas grandes, constitui-se
em uma das figuras mais
pulsantes do racismo e sexismo da cultura brasileira (González, 2020). Já a outra, Iansã,
componente do universo religioso afro-brasileiro, é uma
orixá guerreira, atuante das tempestades e ventanias.
Na expressão visual da
obra, ela aparece com roupas nas cores
usuais da orixá e com um adinkra
aya[14]
desenhado no braço.
Nota.140x210cm.Tomada
de https://artebrasileiros.com.br/arte/artigo/sidney-amaral-entre-a-afirmacao-e-a-imolacao © Sidney Amaral, 2014. Reproducida bajo el amparo de las
leyes colombiana (Ley 23) y brasileña (art. 46 Lei
9610 de 1998) en tanto que su uso corresponde a una investigación científica,
es un uso honrado (de un bien no comercializable) y su difusión en la revista
no tiene ánimo de lucro.

Figura 5 Mãe preta (ou a fúria
de Iansã)
O
gesto da mulher em Mãe Preta e do menino em Stop são ricos para compreendermos os
recursos estético-expressivos acionados
pelos artistas. Como nos ensina Martins
(2021), o gesto é «uma condensação
significante, síntese performática por excelência» (p. 85). Martins
(2021) defende que os gestos não
são somente narrativos ou descritivos, mas são, especialmente,
performativos. Desse modo, o gesto é instituinte e criador de ações e
significados.
Em
Mãe Preta, a cena elaborada
é tensa e escapa de uma dicotomia
de opressão ou resistência, pois congrega a revolta, a rebeldia e o enfrentamento da mãe, e o poder e
a dominação dos policiais. Ela aponta para o contexto
existencial que Sharpe (2023) nomeia no vestígio da escravização: «um presente contínuo de sujeição e resistência» (p. 210).
Segundo Claudinei Silva (2021), essa
obra de Sidney Amaral, manifesta
uma «rebelião contra a injustiça» (p. 84).
A
obra expressa, em seu
núcleo central, o olhar e o gesto firme e furioso da mulher diante de policiais armados e um rapaz imobilizado ao chão, «morto-vivo», para lembrar de
uma expressão de Mbembe (2018b, p. 71), acerca da condição
de vida em contextos de políticas de morte. A visualidade elaborada por Sidney
Amaral congrega em uma cena como é tensa a experiência das mulheres negras na vida social, uma vez que seus filhos, irmãos
e/ou esposos são «objeto de
perseguição, repressão e violência policiais», como já nos denunciava González (2020,
p. 58).
Assim, a obra nos
permite questionar juntamente com
Sharpe (2023) os próprios sentidos e as possibilidades da maternidade
negra em uma sociedade antinegra:
Que tipo de mãe/maternidade é essa, se sempre se deve estar preparada com o conhecimento da possibilidade de morte violenta e cotidiana de um filho ou filha?
É maternidade saber que seu
filho/sua filha pode ser morto/morta a qualquer momento no porão, no vestígio, pelo Estado, não importa quem empunhe a arma? (p. 143)
Trata-se
de uma maternidade
ultrajada, como anota Rocha (2017), ao destacar que
as mães de jovens negros vítimas de violências policiais constituem-se como uma das principais
expressões de resistência ao genocídio antinegro
no país. Elas são, simultaneamente, «vítimas e principais testemunhas dos atos de violência contínua, estrutural e gratuita do
genocídio antinegro. Sua resistência através da posicionalidade de mãe busca evitar, retardar e/ou
transcender o genocídio» (p. 62). A autora define as emoções, os discursos, os sentimentos
e as estratégias acionadas
por essas mães como uma «maternidade ultrajada», sublinhando a experiência íntima com a morte, assim
como a expressão de ultraje pela interrupção
da maternidade (p. 62).
Já a obra Bala achada, na figura 6
, de Jota, dispõe uma crítica à violência policial desde o título que é um
contraponto à expressão
«bala perdida», comumente movilizada para informar e
justificar vítimas de homicídios
por armas de fogo em atos acidentais, tiroteios ou execuções. Conforme Reis
(2021), são «balas que não são perdidas, mas direcionadas aos corpos-alvo» (p. 21).
Nota.100
x100 cm. Tomada de https://www.instagram.com/p/CYKGiX2JzMV/?igshid=MzRlODBiNWFlZA== © Jota, 2021. Reproducida bajo el amparo de las leyes
colombiana (Ley 23) y brasileña (art. 46 Lei 9610 de
1998) en tanto que su uso corresponde a una investigación científica, es un uso
honrado (de un bien no comercializable) y su difusión en la revista no tiene
ánimo de lucro.

Figura 6 Bala
achada
As
indagações feitas por Tible (2022) acerca das condições
de violência e opressão racial,
colonial e capitalista do Estado e da sociedade
brasileira nos ajudam a pensar e sentir junto com Bala Achada.
O que pensar e
sentir de um país cujo
Estado assassina dessa
forma seus cidadãos, nessas situações? No qual o pacto mínimo do chamado
contrato social (direito à vida) é desrespeitado desse modo? Como chamar um Estado cujos
agentes disparam contra civis
de um helicóptero ou de veículos blindados como prática
«normal», «correta» ou até
celebrada? Uma hipótese
para compreender o momento do país é pensá-lo como parte de uma guerra
colonial cujas cenas acima situam
o quadro: forças policiais e armadas invadindo territórios e oprimindo suas populações, que nos aproximam de situações que vivem Iraque, Síria,
Líbia ou Palestina em suas guerras de ocupação. Não é novo, já
que o Brasil se assenta nisso,
no genocídio e na escravidão, e nunca encarou verdadeiramente esse abismo ético
e existencial. (p. 242)
A
obra cria uma paisagem de acontecimentos,
posicionada em frente a um morro com
casas. Ao centro três homens carregam um corpo, embrulhado
em um lençol branco escorrendo sangue, eles vêm em direção e encaram o centro da
obra, olho a olho. A policía
encontra-se presente de diferentes formas: em um helicóptero da polícia civil,
em um camburão/blindado da polícia militar branco que está
estacionado, com a sigla CPP, lembrando a Coordenadoria de Polícia
Pacificadora. Policiais armados ladeiam
os homens passando com o corpo. A expressão apavorante, sofrida e de terror é sobreposta aos elementos de revolta e de rebelião também presentes na obra.
Ao canto esquerdo um ônibus
pega fogo. Uma criança com uniforme escolar do
Rio de Janeiro, de mochilas, com um
semblante perturbador observa. Um menino, no canto lateral
esquerdo da tela, anuncia, em um
cartaz, com uma voz/escritura plural, que se junta ao
seu corpo: «merecemos viver sem medo de morrer». Esse anúncio,
em um contexto de morte, sangue e violência, pode ser compreendido como uma «maneira corajosa de lutar pela recuperação da dignidade roubada» (Gomes, 2020, p. 369).
Um dos policiais aparece com uma farda escrito «porco». Segundo Menezes
(2020), «porco» ou «pig» é uma gíria utilizada para designar
de forma ofensiva os policiais nos Estados Unidos da
América do Norte e tem uma centralidade para as revoltas
antirracistas contra a violência e brutalidade policial.[15]
Desse modo, a ironia também comparece na obra, um recurso estético e
ético composto por dinâmicas de sarcasmo e sátira
frente às relações de poder
e opressão (Rosa, 2022).
Em
Bala achada estão crianças, notadamente
meninos negros, dispostos pela paisagem
pesada e violenta, na síntese
de um abismo ético e existencial, como diz Tible (2022). Em pesquisa recente, Theodoro et al. (2023) destacaram que entre as experiências
e os contatos com forças de segurança pública, a de
presenciar a polícia batendo
em alguém é maior entre os
meninos pretos. Nesse
sentido, assim como pessoas
negras e periféricas crescem e vivenciam
suas infâncias, adolescências e juventudes sendo
tensionados por meio da violação
de direitos, elas também se expressam e são partícipes dos sentimentos e
dos gestos de revolta, de insurgência
e de indignação.
As
seis obras aqui analisadas elaboram visualidades que nos proporcionam
refletir, problematizar, pensar e sentir acerca da «produção cotidiana da desigualdade
racial na operação da segurança pública no Brasil» (Sinhoretto
& Morais, 2018, p. 21). Tais obras engendram visualidades que expressam
corpos negros, especialmente de crianças,
adolescentes e jovens, em uma
condição tensa com agentes
de segurança pública e, portanto,
com o Estado. As relações-tensões
emergem em obras, tais como
Mãe Preta e Bala Achada, que evidenciam, por exemplo, a linha tênue entre a vida e a morte (Bonvillani, 2022; Mbembe, 2018b)
em relação aos regimes de vigilância, controle e
violência policial.
Regulações e violências essas que estão intrincadas ao racismo de
diferentes formas, a saber: desde as abordagens e os enquadros policiais, como em
Campo Minado, ao cerco frente às
crianças em Vigiar
e Punir e Stop, até os rendimentos e as mortes em Mãe Preta e Bala Achada. Todavia, as visualidades também concebem as indignações e as revoltas — enfrentamentos vistos de relance em Senhora
Injustiça ou no gesto
insurgente e de ultraje em Mãe Preta.
De
igual modo, há desafios e microrebeldias dos meninos negros como, por exemplo, na placa carregada por um em Stop ou no cartaz erguido por outro na cena perversa de Bala Achada. Observa-se ainda que os artistas
mobilizam alguns recursos
estéticos e políticos, como a intertextualidade com outras obras, a referência explícita às polícias de alguns estados do
Brasil, ou à signos da cultura afro-brasileira, assim como a utilização da ironia como produtora de críticas
e de sátiras e os autorretratos como gênero de arte
visual.
Essa análise permite-nos refletir, em
diálogo com a abordagem
epistemológica do estudo, como as visualidades negras
expressam o contato
policial com infâncias e
juventudes negras mediando as condições sociais, geracionais e raciais constituintes da sociedade brasileira. Essa mediação, nos termos de Sharpe (2023), rompe e embaralha as dicotomías estritas
de opressão ou de resistência e nos exige visualizar suas
coexistências e coproduções.
As
obras de arte analisadas apontam
para algumas cenas centrais
dos processos de socialização
de crianças e jovens
negros, em contatos com o policiamento, o que implica reconsiderar as suas experiências, condições e identidades juvenis e
de infância (Dayrell, 2003;
Sarmento, 2008; Theodoro et al., 2023). As elaborações artístico-visuais mobilizam algumas gramáticas,
gestos e expressões sociais
da constituição cotidiana e violenta da racialidade no Brasil (Carneiro, 2023; González, 2020; Theodoro, 2022). As obras expressam
momentos de interação social do dia
a dia, dos movimentos diários de crianças e jovens em vivência e circulação pela cidade,
constantemente vigiados e/ou interditados
pelas polícias. A perversa articulação
da subordinação sociorracial
e geracional destina às crianças e aos jovens negros, em grande medida, sentidos de negatividade e inferioridade —característicos
das opressões raciais e etárias.
Considerações finais
O
presente artigo teve como objetivo analisar de que maneira obras de artes visuais, produzidas por jovens artistas
negros, elaboram/embaralham
visualidades acerca das violências policiais contra juventudes e infâncias
negras. Podemos compreender que as expressões visuais analisadas expõem relações-tensões relacionadas aos
encontros racializados de jovens
e crianças negras com a polícia.
A
interpretação crítica das obras selecionadas
revela que tais produções
artísticas visuais negras não
são apenas representações
da violência, mas, sobretudo,
elaborações produtoras de conhecimentos, estéticas, sensibilidades e éticas que expressam, simultaneamente, contatos marcados por conflitos, vigilâncias, sujeição e morte, assim como o anúncio de resistências, com gestos de insurgência e indignação, com agência de crianças, jovens, mães e comunidades.
Ademais,
atentar para as elaborações visuais
acerca das presenças de crianças
e de jovens negros em relação/tensão com o policiamento
abre a oportunidade analítica de aproximarmos
de uma «totalidade da realidade social» (Sarmento,
2008, p. 3), uma vez que a infância
e a juventude são categorias sociológicas decisivas para a compreensão das tramas sociais contemporâneas. As obras de arte analisadas
não se reduzem a contatos e interações entre
agentes de segurança pública e crianças
e jovens, mas elaboram enredos
da complexidade da vida social, com
referências a instituições,
comunidades e esferas tempo-espaciais diversas. Incidem nas características
basilares da formação social brasileira, com especial enfoque aos
marcadores sociais de diferença,
como raça, classe, geração e território.
Ainda são incipientes os estudos que elegem as obras visuais de jovens artistas negros para compreender
a violência policial contra as existências,
corpos e territórios
negros. Sendo assim, trata-se de
uma agenda de pesquisa promissora
acompanhar e analizar as produções
artísticas e culturais que expressam
sentidos e atitudes de vivências
de jovens e crianças com agentes e instituições de segurança pública.
Por
fim, uma imagem negativa e uma atuação violenta do policiamento são elaboradas nas obras de artes
visuais analisadas, assinalamos que é importante problematizá-las
acerca da centralidade para a conformação
do dispositivo de racialidade no Brasil, fato que se
torna decisivo para a garantia do direito
pleno à vida de crianças e jovens
negros.
[*] O artigo é derivado do projeto de pesquisa de doutorado intitulado «A dimensão educativa das lutas contra o genocídio da juventude negra: saberes/ conhecimentos produzidos pelos movimentos negros brasileiros» e é financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Programa de Excelência Acadêmica, processo n.º 88887.830064/2023-00, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social da Universidade Federal de Minas Gerais. A pesquisa foi realizada no período de 6 de março a 30 de setembro de 2023. Área: Ciências Sociais. Subárea: Ciências Sociais e Educação..
[1] Negra é uma categoria
analítica-política, desde uma perspectiva social das relações raciais, que
agrega os sujetos autodeclarados pretos e pardos em razão da proximidade dos
seus indicadores sociais em contraponto aos dos autodeclarados brancos.
Trata-se de uma abordagem adotada pelos estudos sobre o tema no país nos últimos
trinta anos (Ramos, 2021; Theodoro, 2022).
[2] No Martins [1987-],
natural de São Paulo, iniciou sua trajetória como artista com a pixação e o grafitti.
Além disso, frequentou ateliês de gravura e cursou licenciatura em História e
Artes Visuais. Através das artes visuais, plásticas e da performance, No
Martins tem uma produção artística voltada para cenas cotidianas da população
negra, em relação com racismo, violência urbana e encarceramento.
[3] Sidney Amaral
[1973-2017], natural de São Paulo, licenciou-se em Artes Plásticas e obteve
formação em pintura acadêmica e fotografia. Atuou como professor de artes na
educação básica e como artista trabalhou com esculturas, desenhos e pinturas
acrílicas e aquarelas. Sua obra tematiza de diferentes perspectivas as
condições sociais das pessoas negras na sociedade brasileira.
[4] Johny Alexandre Gomes [2001-], mais conhecido como Jota, é um artista carioca autodidata, morador do Complexo do Chapadão, periferia na zona norte do Rio de Janeiro. Trabalhando como auxiliar de pedreiro, em 2020 Jota começou a produzir e divulgar suas pinturas. Em suas obras, o artista retrata os cotidianos de sua comunidade, com destaque para cenas de violência e lazer, com foco nas masculinidades.
[5] Ademais, em uma
perspectiva legal, no Brasil, considera-se como criança a faixa etária até 12
anos, adolescentes entre 12 e 18 anos e jovens entre 15 e 29 anos, conforme o
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/ 1990) e o Estatuto da Juventude
(Lei 12 852/2013), respectivamente
[6] Carneiro (2023)
dialoga com a noção de dispositivo de Michel de Foucault, entendendo-o como uma
articulação de múltiplos elementos, uma rede de forças integrante de relações
de poder, práticas discursivas, legislações, formas arquitetônicas e postulados
morais, filosóficos e científicos.
[7] Na atuação policial
brasileira, de acordo com Naidin (2020, p. 2), há uma fronteira complexa e
tênue entre o «recurso à força», ou seja, o método de policiamento
discricionário e legal, e o «uso da violência», que é ilegítimo e arbitrário.
Além disso, cabe ressaltar que a violência policial «não está disseminada de
maneira uniforme por toda a corporação» (Naidin, 2020, p. 5)
[8] Destaca-se o Mapa da
Violência, realizado desde 1998, pelo sociólogo Julio Waiselfisz, em parceria
com instituições de pesquisa e órgãos governamentais; o Atlas da Violência,
criado em 2016, organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada em parceria
com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Índice de Vulnerabilidade
Juvenil à Violência, desenvolvido pela Secretaria Nacional de Juventude, também
em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública
[9] Na América Latina, e
em outros países de língua espanhola, o conceito de juvenicídio tem sido mais
utilizado para «tematizar la muerte violenta de los/as jovens em clave de
relaciones estructurales de opresión, com responsabilidade central del Estado»
(Bonvillani, 2022, p. 18).
[10] A pesquisa abordou os contatos com a polícia a partir de três categorias: contatos indiretos (por exemplo, ver a polícia parar ou revistar alguém); contatos diretos (por exemplo, ser parado pela polícia) e vitimização (por exemplo, ser xingado ou agredido pela polícia; Theodoro et al., 2023).
[11] Sharpe (2023) está
interessada em pensar na existência negra no vestígio para entender como «as
violências da escravização emergem nas condições contemporâneas de dimensões
espaciais, legais, psíquicas e materiais e em outras dimensões da (não)
existência negra, bem como em modos negros de resistência» (p. 36).
[12] Aqui conjurar refere-se mais diretamente aos significados de rebelar, insurgir, exorcizar e/ou conclamar.
[13] O filme, de 2013,
foi escrito e dirigido por Leticia Tonos, da República Dominicana
[14] Adinkras é um sistema de escrita de símbolos que representam ideias, conceitos, provérbios e aforismos, do povo Ashanti, localizados na África Ocidental. O adinkra «Aya» refere-se ao «símbolo de resistência, desafio às dificuldades, força física, perseverança, independência e competência» (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, s. d.)
[15] Nas duas primeiras
décadas do século XX, os movimentos sociais e as ações coletivas antirracistas
ao redor do mundo foram fortemente influenciados pelo surgimento do Black Lives
Matter [Vidas Negras Importam], em 2013, nos Estados Unidos da América do Norte
e, mais recentemente, após o assassinato de George Floyd, em 2020, com o
desencadeamento de um ciclo global de protestos antirracistas. No Brasil, ao
menos desde o final dos anos 1970, as organizações negras têm denunciado e
atuado contra a violência policial que atinge as pessoas negras, a partir de
diferentes pontes semânticas como a discriminação racial, a violência racial e
o genocídio negro, conforme pesquisa realizada por Ramos (2021).
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Para citar este artículo: Freitas, M. S., & da Silva, N. N.
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