Segunda sección: estudios e investigaciones


DOI: 10.11600/rlcsnj.22.2.6396


Artes visuais negras sobre a violência policial contra infâncias e juventudes negras*

Artes visuales negras sobre la violencia policial contra niñez y jóvenes negros

Black visual arts about police violence against black childhood and Youth


Matheus Silva Freitas Mg.1
Natalino Neves da Silva Ph. D.2

 

1 Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Graduado em Ciências Sociais, Universidade Federal de Viçosa. Mestre e Doutorando em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais. 0000-0001-6245-9085. H5: 4. Correio eletrônico: freitassmat@gmail.com

2 Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Graduado em Pedagogia, Mestre e Doutor em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais. Professor Adjunto do Departamento de Administração Escolar e do Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, Universidade Federal de Minas Gerais. 0000-0002-1746-8713. H5: 4. Correio eletrônico: professornatalino@gmail.com  

 

Recibido: 21.12.2023 Aceptado: 08.04.2024 Publicado: 30.04.2024

 


Resumo (analítico)

A violência policial é um dos principais motes de sustentação da racialidadena sociedade brasileira, vitimando as infâncias e as juventudes negras, desse modo urge compreender as representações e Elaborações sociais de tais experiências. Assim, busca-se analizar produções artísticas visuais, elaboradas por artistas negros, que expressam experiências racializadas de crianças e jovens negros com o policiamento no Brasil. Foram analisadas seis obras, de autoria de No Martins, Sidney Amaral e Jota, produzidas entre 2014-2021. Os resultados indicam que tais obras problematizam questões acerca das dimensões raciais do policiamento e seus regimes de vigilância, controle e violência. Trata-se de elaborações artísticas visuais que, ao congregarem aspectos estéticos, éticos e sociais, indicam as tensões das infâncias e das juventudes negras com a segurança pública, articuladas por sujeição, resistência, morte e vida.

Palavras-chave: Violência; raça; juventude; infância; polícia; artes visuais; Brasil. Tesauro de Ciencias Sociales de la Unesco.

 


Resumen (analítico)

La violencia policial es una de las principales razones de sustentación de la racialidad en la sociedad brasileña, victimizando a niños y jóvenes negros, por lo que es urgente comprender las representaciones sociales y elaboraciones de tales experiencias. Así, se busca analizar producciones artísticas visuales, creadas por artistas negros, que expresan experiencias racializadas de niños y jóvenes negros con la actuación policial en Brasil. Se analizaron seis trabajos de los autores No Martins, Sidney Amaral y Jota, producidos entre 2014 y 2021. Los resultados indican que estos trabajos problematizan cuestiones sobre las dimensiones raciales de la actuación policial y sus regímenes de vigilancia, control y violencia. Se trata de creaciones artísticas visuales que, al reunir aspectos estéticos, éticos y sociales, señalan las tensiones entre infancias y juventudes negras y la seguridad pública, articuladas por el sometimiento, la resistencia, la muerte y la vida.

Palabras clave: Violencia; raza; jóvenes; niñez; policía; artes visuales; Brasil.

 


Abstract (analytical)

Police violence is one of the main reasons for sustaining raciality in brazilian society, victimizing black children and youth, therefore it is urgent to understand the social representations and elaborations of such experiences. Thus, we seek to analyze visual artistic productions, created by black artists, which express racialized experiences of black children and young people with policing in Brazil. Six works were analyzed, authored by No Martins, Sidney Amaral and Jota, produced between 2014 and 2021. The results indicate that these works problematize questions about the racial dimensions of policing and its regimes of surveillance, control and violence. These are visual artistic creations that, by bringing together aesthetic, ethical and social aspects, indicate the tensions between black childhoods and youths and public security, articulated by subjection, resistance, death and life.

Keywords: Violence; race; youth; childhood; police; visual arts; Brazil.

 


Introducción

 

Neste artigo, temos como objetivo analisar obras de artes visuais elaboradas por artistas negros brasileiros que expressam experiências racializadas entre infancias e juventudes negras[1] com agentes de segurança pública, em especial com as polícias. Tratase de abordar as artes visuais produzidas por esses artistas contemporáneos sobre representações do contato e violência policial contra jovens e crianças negras. A análise referese a seis obras, de autoria de No Martins,[2] Sidney Amaral[3] e Jota,[4] produzidas entre 2014 e 2021. Buscamos instigar e problematizar as expressões dessas produções estético-visuais acerca das dimensões raciais do policiamento sobre esses grupos geracionais e étnico-raciais.

Compreendemos que tais obras constituemse como elaborações visuais produtoras de conhecimentos, sensibilidades, estéticas e éticas propícias para problematizar as relações e as tensões entre violência, racismo, juventudes, infâncias e segurança pública no Brasil. Os trabalhos artísticos possuem a potencialidade de gerar visualidades que ex pressam processos cotidianos de sujeição e interdição racial e, ao mesmo tempo, insurgencias e indignação frente aos regimes de vigilância e policiamento.

No âmbito das Ciências Sociais, infância e juventude são categorias geracionais que, na percepção de Juarez Dayrell (2003) e Sarmento (2008), possibilitam-nos problematizar imaginários de transitoriedade que recaem sobre crianças e jovens. Tais categorias sociológicas entendem que a condição juvenil e a infância são momentos em si mesmo com sentidos, importâncias e valores próprios do presente vivido (Dayrell, 2003; Sarmento, 2008).

Por essa perspectiva, partilhamos o reconhecimento das crianças e dos jovens como sujeitos sociais. Essa noção, no caso da infância, desafia as imagens e os papéis sociais destinados às crianças como incompletas e subalternas ao universo adulto (Sarmento, 2008). A atenção se volta para as crianças como sujeitas ativas nos processos de socialização e «não como destinatários passivos da socialização adulta» (Sarmento, 2008, p. 5). Desse modo, a depender das características históricas, espaciais e temporais, as crianças enquanto atores sociais expressam suas particularidades nas relações intergeracionais, com estatutos culturais, simbólicos e sociais próprios (Sarmento, 2008).

Ao compreender os jovens como sujeitos sociais, de acordo com Dayrell (2003), somos instados a evidenciar, por um lado, que a condição juvenil é uma posição geracional ativa, possuidora de escolhas e interesses e, por outro lado, que diferentes dimensões sociais, tais como classe, gênero, raça, cultura etc., interferem no modo como as condições e as identidades juvenis são vivenciadas e representadas.[5]

O artigo está organizado em quatro seções, além desta introdução e das considerações finais. Na próxima, apresentamos brevemente o dispositivo de racialidade que sustenta as relações e tensões entre infâncias e juventudes negras com o policiamento no Brasil. Na segunda, destacamos algumas dimensões conceituais relativas à análise das artes visuais. na terceira seção, apresentamos o percurso metodológico da pesquisa e, na quarta seção, a partir dos resultados e das discussões, buscamos interpretar as obras selecionadas dos artistas supracitados ao articulá-las e situá-las com a literatura especializada


Infâncias, juventudes negras e violência policial:

tensões-relações entre as condições de vida e de morte

Nesta seção pretendemos situar a violência policial contra infâncias e juventudes egras no quadro de entendimento das relações raciais e do racismo no contexto brasileiro. As relações raciais no Brasil, segundo Carneiro (2023), podem ser compreendidas como um dispositivo de racialidade.

A racialidade constitui-se como um modo de classificação social, pactuado na dominação e exclusão social, que emerge especialmente a partir do final do século XV, com as expedições coloniais europeias. Em síntese, é uma noção relacional que corresponde à «interação de grupos racialmente demarcados sob os quais pesam concepções histórica e culturalmente construídas acerca da diversidade humana» (Carneiro, 2023, p. 22)

O dispositivo de racialidade é responsável pela produção de «um campo ontológico, um campo epistemológico e um campo de poder, conformando, portanto, saberes, poderes e modos de subjetivação cuja articulação institui um dispositivo de poder»[6] (Carneiro, 2023, p. 44). Essa produção de poderes, saberes e subjetividades segue, conforme a autora, uma divisão ontológica: a «afirmação do ser das pessoas brancas se pela negação do ser das pessoas negras» (Carneiro, 2023, p. 13).

Desse modo, o dispositivo de racialidade engloba um conjunto de mecanismos de opressão, com dinâmicas de biopoder, epistemicídio e interdições que, simultaneamente, são tensionados pelas resistências negras (Carneiro, 2023). Um dos efeitos operantes de tais mecanismos é a violência, em seus regimes de vigilância, controle e sujeição.

Segundo Carneiro (2023, p. 67), «a racialidade inscreve a branquitude no registro da vida e a negritude no signo da morte». Nesse sentido, a racialidade e as suas violências contribuem para criminalizar e exterminar os corpos, vidas e territórios negros (Carneiro, 2023; Theodoro, 2022). A violência como prática do Estado, especialmente através das instituições e agentes de segurança pública, segundo Theodoro (2022), funciona como um elo de sustentação de uma sociedade desigual assentada no racismo, como a brasileira.


Uma violência que, efetivamente, assume formas diversas contra a população negra (...) mas que se consolida principalmente como a violência do cotidiano de mortes, decorrentes de disputas do tráfico, das milícias e de uma polícia que se faz presente não para a garantia da segurança e da vida, mas para a repressão, quando não o extermínio. (Theodoro, 2022, p. 29)

A letalidade policial é um índice saliente dessa condição de violência. Embora «nem toda morte causada pela polícia constitui necessariamente um ato de violação»,[7] conforme Naidin (2020), o Brasil acumula recordes mundiais de letalidade policial e a sua maior parte é «fruto do uso abusivo do poder letal pela polícia» (pp. 2-3). Essa ação violenta da polícia brasileira deriva de um conjunto de continuidades históricas, que podem ser sintetizadas, conforme a literatura, em dois marcos fundamentais: o regime colonial escravocrata, entre os séculos XVI e XIX, e a ditadura militar, entre os anos 1964 e 1985 (Bretas & Rosemberg, 2013; Naidin, 2020).

Desde então, no Brasil, ao longo da história republicana, os usos ilegais e abusivos da violência não se constituem como exceções na atuação policial, ao contrário, apresentamse como «um método do qual se lança mão pela sua suposta eficácia no combate à criminalidade» (Naidin, 2020, p. 6, ênfase da autora). Na cultura policial, a depender dos posicionamentos institucionais de governantes e corporações, segundo Naidin (2020), as mortes causadas pelas polícias são ponderadas como «indício de "produtividade" policial» (p. 6).

Um conjunto de pesquisas com dados quantitativos de violência letal e de homicidios por armas de fogo analisam atributos de raça, gênero, geração, território e classe social que sinalizam os homens negros jovens pobres moradores de regiões periféricas como as principais vítimas de mortes violentas, «da ação letal das polícias e o perfil predominante da população prisional do Brasil» (Cerqueira et al., 2018, p. 41; Naidin, 2020).[8] Dito de outro modo, a seletividade racial na atuação pública policial e judicial constituem-se como mecanismos complementares na produção da violência e da racialidade no país.

O racismo opera no seio das instituições judiciárias e de segurança pública em suas diversas fases e ações, o que faz com que a violência e a falta de justiça assumam um papel de destaque no funcionamento da sociedade desigual. Trata-se do elemento aglutinador, a amálgama, o sedimento da sociedade desigual e seu principal sustentáculo. A polícia que vai à favela é também uma polícia política, um braço do Estado que está ali únicamente para a tarefa de repressão, mas uma repressão que é fundamentalmente política e cuja violencia é muitas vezes letal e não aceita divergências. (Theodoro, 2022, p. 29)

 

A relação da racialidade e das juventudes com a atuação policial e judiciária é, portanto, tensa, trata-se, em síntese de «políticas de segurança que denotam o racismo institucional em seus resultados: mais mortos, mais vulnerabilidade à violência e mais presos entre os jovens negros» (Sinhoretto & Morais, 2018, p. 19).

Essas informações, fruto de dados públicos, conferem consequências interpretativas para o combate às desigualdades e opressões sociais na sociedade brasileira, considerando que «as mortes em decorrência de ação policial são um fator importante para a compreensão das relações entre violência e racismo» (Sinhoretto & Morais, 2018, p. 18). Violências raciais dessa magnitude são denunciadas pelos movimentos sociais negros como um «genocídio da juventude negra», uma expressão conceitual e política que congrega protestos e demandas por justiça racial, com a responsabilização do Estado, especialmente a partir da segunda década dos anos 2000 (Ramos, 2021; Sinhoretto & Morais, 2018).[9]

Além das juventudes, as adolescências e as infâncias também são acometidas por esse tipo de violência com viés racial, a partir da atuação das forças de segurança pública (Rede de Observatórios da Segurança, 2021). Desde pequenos, adolescentes e crianças negros experimentam contatos tensos e desrespeitosos por parte do policiamento. Por exemplo, Theodoro et al. (2023) verificam que existem diferenças nos contatos de crianças e adolescentes com a polícia, conforme o atributo racial dos/as adolescentes.[10] De acordo com a pesquisa realizada na cidade de São Paulo, a «filtragem racial e seletividade das abordagens policiais estão presentes muito cedo na vida de crianças e adolescentes  (Theodoro et al., 2023, p. 10). Soma-se a isso, o fato de que «é também na mais tenra idade que os jovens pretos se tornam alvos do policiamento ostensivo e das formas mais intrusivas e violentas de ação policial» (p. 10).

Noguera (2020) conceitua como necroinfâncias as condições de morte das crianças negras e destaca que um «conjunto de práticas, técnicas e dispositivos que não permitem que as crianças negras gozem a infância» (s. d.). Noguera deriva essa ideia da noção de necropolítica, proposta por Achille Mbembe (2018b), que acentua como as categorías de morte e vida são cruciais para entender as ideias de sujeito, soberania e política na modernidade. A necropolítica é compreendida como o ato de «submissão da vida ao poder da morte» e do direito de matar que não é mobilizado apenas pelo Estado, mas também por agrupamentos que se erguem como soberanos e constroem figuras de inimigos (Mbembe, 2018b, p. 71).

Desse modo, ao evidenciarmos as condições das juventudes e das infâncias negras em contato perverso com o policiamento no Brasil, destaca-se um conjunto de tensõesrelações entre as condições de vida e de morte. Segundo Abramowicz (2020), «não podemos falar de crianças abstratas e de direitos das crianças (...) sem falar das crianças concretas e mortas no Brasil» (p. 8). Por essa perspectiva, Arroyo (2015) questiona: «como esperar o avanço do direito à educação dos jovens-adolescentes negros e pobres se eles são condenados como violentos e exterminados como delinquentes? Sem direito à vida haverá direito à educação?» (p. 31). Em linhas gerais, Abramowicz (2020) e Arroyo (2015) destacam que não como falar nos direitos das crianças, dos adolescentes e dos jovens sem considerar a seletividade sociorracial e geracional dos homicídios no país, de modo que o direito à vida ainda é uma questão para esses sujeitos. Como veremos mais à frente, o intuito aqui neste artigo é, justamente, analisar as relações/tensões entre as experiências das infâncias e das juventudes negras com a polícia, a partir de elaborações artístico-visuais.

 

Artes visuais negras e o «embaralhamento» de expressões sociais, estéticas e éticas

 

Nesta seção, objetiva-se abordar, de forma breve, sobre a perspectiva analítica das artes visuais que nos guia. Inicialmente, cabe registrar que um conjunto de abordagens marcam o interesse e a relação das Ciências Sociais com as Artes Visuais. Especialmente no período após a Segunda Guerra, a partir da segunda metade do século XX, emergiram e ganharam fôlego agendas de interpretação das artes visuais com protagonismo para as questões sociais das periferias globais, com críticas às opressões coloniais (Fletcher et al., 2015). Por essa perspectiva, a arte é compreendida como um fenômeno de reflexão permanente, envolta por diferentes regimes visuais e diálogos epistêmicos (Fletcher et al., 2015). As análises, nesse sentido, consideram posicionamentos artísticos relacionados com alteridades e desigualdades, de acordo com diferentes contextos sócio-políticos e experiências de vida. Trata-se da interpretação de «produções artísticas possíveis de serem tomadas como células portadoras de discursos geradores de reposicionamentos sígnicos» (Fletcher et al., 2015, p. 421).

Para analisar as obras de artes visuais que abarcam as relações violentas da policía com crianças e jovens negros, inspiramonos na abordagem das existências negras no vestígio, proposta por Sharpe (2023), que tem por intuito «tramar, mapear e coletar os arquivos do cotidiano da morte negra imanente e iminente, bem como em rastrear as maneiras como resistimos, rompemos e perturbamos essa imanência estética e materialmente» (p. 34).[11]

Assim, rastrear os modos como as resistências se dão, para a autora, é também abordar as práticas e as produções artísticas e culturais. Dessa forma, Sharpe (2023) busca focalizar as condições contemporâneas e cotidianas de violência racial e colonial «no intuito de perguntar o que, se é que algo, sobrevive a essa persistente exclusão das pessoas negras, a essa negação ontológica, e como a literatura, a performance e a cultura visual observam e medeiam essa (não) sobrevivência» (p. 35).

Essa perspectiva das artes como mediação e elaboração contra e a partir da exclusão sociorracial também comparece nas proposições de Mbembe (2018a). Para populações racializadas, vítimas de humilhação e sujeição, como os povos negros, a produção artística, assim como a criação religiosa, segundo Mbembe (2018a), representa um ato de «defesa contra as forças de desumanização e da morte», um «invólucro metafísico e estético» (p. 299).

 

A obra de arte nunca teve por função principal simplesmente representar, ilustrar ou narrar a realidade. Sempre foi da sua natureza embaralhar e mimetizar de uma vez as formas e as aparências originais. É verdade que, enquanto forma figurativa, ela mantinha relações de semelhança com o original. Mas, ao mesmo tempo, ela redobrava constantemente esse mesmo original, ela o deformava, dele se afastava e, acima de tudo, ela o conjurava. (Mbembe, 2018a, pp. 299-300).

 

Assim, Mbembe (2018a) nos ajuda a pensar a criação artística negra como uma conjuração[12] e embaralho, e não como uma mera exposição ou representação da realidade. A possibilidade da arte em redobrar e embaralhar a suposta realidade que Mbembe (2018a) chama a atenção se conecta também com a potencialidade que as artes possuem em lançar sensibilizações e revides históricos (Rosa, 2022). Jota, um dos artistas que tem sua obra aqui analisada, disse, em entrevista, que a sua arte «tem a denúncia, a crítica, mas também a proteção, o livramento» (Redação Tupi, 2023), ou seja, ao mesmo tempo que elabora sobre a violência, busca livrar-se dela.

Portanto, um dos desafios analíticos na abordagem das artes, de modo geral, e específicamente das artes visuais, é ir além da chave da descrição e da representação, e pensar as artes como mediações, elaborações, expressões que compõem e geram sentidos, entendimentos, saberes, conhecimentos, significados, sentimentos, pensamentos, estéticas, éticas, denúncias, anúncios (Martins, 2021; Rosa, 2022; Sharpe, 2023).

Nesse sentido, cabe mobilizar a fala de No Martins, outro artista com o qual trabalhamos, em uma entrevista, ao refletir sobre sua obra, ele diz: «eu chamo para discussão e não para beleza» (Metrópolis, 2019). Esse direcionamento à discussão e ao debate nos permite refletir junto com Martins (2021) sobre as artes enquanto elaborações estéticas e éticas, de modo que os valores estéticos são também éticos: «em muitas culturas, entre elas as africanas e as afrodescendentes, a produção estética nos remete a padrões, formas, convenções e estilizações, assim como a visões de mundo que as substanciam» (pp. 68-69).

Em uma perspectiva de expansão das situações de linguagens e sentidos, Martins (2021) destaca, a partir das noções conceituais de corpo-tela e corpo-imagem, a potencialidade das imagens e visualidades em provocarem pensamentos e conceberem saberes e conhecimentos próprios e singulares.

 

O corpo-tela como corpo-imagem faz-se também como imagem mental, aliando a aparência do ser às suas vibrações, portando e postulando pensamentos. Como nos alerta Etienne Samain, imagens são formas pensantes. Como tal, veiculam pensamentos que de várias maneiras nos afetam e cujas recepção e percepção têm o poder de também afetar e prolongar, no tempo, as imagens e suas aderências, pois «toda imagem (um desenho, uma pintura, uma escultura, uma fotografia, um fotograma de cinema, uma imagem eletrônica ou infográfica) nos oferece algo para pensar: ora um pedaço de real para roer, ora uma faísca de imaginário para sonhar». (Martins, 2021, pp. 78-79).

 

Dessa maneira, as imagens e as visualidades pensam, problematizam, instigamnos. Sugerem e tensionam os fenômenos sociais e, portanto, estão envoltas pelas relações de poder. As artes, segundo da Rosa (2022), uma vez que «nos orienta[m] sobre os tempos e as relações humanas e os dilemas mais ardidos» (p. 188), carregam a possibilidade de nos educar e nos deseducar. Longe de uma compreensão idealista do campo artístico, podemos considerar as artes visuais como «potenciais para deflagrar uma pedagogia incidente e diálogos politizados e politizantes para os diversos grupos sociais e para as formas como estes grupos podem pensar regimes de visualidade próprios» (Fletcher et al., 2015, p. 422).

Essa perspectiva nos é cara pois, conforme de la Fuente (2018), no contexto afrodescendente da América Latina, a arte constituise como uma «força para a mudança social, um espaço onde novos futuros e agendas para a justiça racial se tornam possíveis» (p. 452). Tal contribuição ocorre, segundo o autor, pela capacidade das artes afro-latino-americanas, especialmente as visualidades, atuarem como exercício contra hegemônico:

 

Quando refletimos sobre as contribuições da arte afro-latino-americana, vale a pena considerar como as representações visuais articulam ideias sobre raça, classe, gênero, nação e inclusão que, de outra forma, seriam difíceis de transmitir na esfera pública. Pela recombinação e síntese criativas de uma variedade de discursos, as artes visuais são capazes de produzir e disseminar novos conteúdos, mesmo em ambientes em que a discussão explícita de tais conteúdos não seja bem-vinda. (Fuente, 2018, p. 454)

 

Desse modo, as artes visuais negras vão se constituindo como possibilidade de geração de estéticas, éticas, problematizações e críticas de situações sociais, como é o caso das tensões-relações entre infâncias e juventudes negras com a atuação e a violência policial, tema ainda controverso e pouco debatido no Brasil, apesar das denúncias serem históricas (Naidin, 2020; Ramos, 2021; Sinhoretto & Morais, 2018).

 


Percurso metodológico

 

A pesquisa realizada foi de natureza descritiva e analítica, com um enfoque qualitativo (Flick, 2009), pois pretendemos identificar e interpretar elementos constitutivos de produções artísticas visuais que expressam experiências racializadas de crianças e de jovens negros com o policiamento no Brasil.

Foram analisadas seis obras de artes visuais, na modalidade de pinturas, conforme pode ser observado no Quadro 1 Tais obras foram selecionadas a partir de um levantamento exploratório de produções artísticas negras contemporâneas no Brasil, em meios virtuais, como sites e redes sociais (Instagram, por exemplo) e em visitas a exposições individuais e coletivas. O principal critério de seleção das obras a serem analisadas foi a presença e/ou referência às experiências de crianças e/ou jovens negros com algum tipo de atuação policial.

 

Quadro 1 Obras analisadas

 

Conforme apresentado na seção anterior, a fundamentação epistemológica da investigação encontra-se assentada na perspectiva das visualidades artísticas como mediações estéticas e éticas da complexidade das experiências negras (Martins, 2021; Rosa, 2022; Sharpe, 2023), entendendo-as como exercício contra hegemônico (Fuente, 2018). Sendo assim, a descrição e a análise, no âmbito metodológico, ocupam-se em refletir, a partir das obras de artes, quais as relações, as tensões e os regimes sociais do contato policial com crianças e jovens negros que as visualidades artísticas referenciam, manifestam, problematizam e/ou confrontam.

A estratégia de análise das obras foi conduzida através da identificação de elementos e condições que envolvem as dinâmicas sociorraciais e geracionais (crianças e jovens negros) com a segurança pública (polícias). Desse modo, a interpretação foi realizada observando os recursos, os contextos e os elementos visuais mobilizados pelos artistas em suas obras em diálogo com estudos sobre essa temática. Atenção especial foi dada às cenas, aos gestos, às disposições e às linguagens exploradas nas visualidades artísticas (Martins, 2021; Rosa, 2022)

Em que pese a garantia da integridade ética e metodológica cabe registrar que as imagens das obras de arte são oriundas de páginas públicas da internet e estão acompanhadas, ao longo do texto, das devidas fontes e referências.

 


Resultados e discussão

 

Regimes de vigilância, controle e violência policial contra infâncias e juventudes negras: análises a partir das artes visuais

 

Nesta parte, analisamos seis obras de artes visuais de autoria de três artistas negros brasileiros contemporâneos: No Martins, Jota e Sidney Amaral. A análise é focada em pensar as expressões e as elaborações artísticas, visuais e críticas dos contatos, encontros e experiências racializadas com agentes de segurança pública, como as polícias, no Brasil.

As duas primeiras obras analisadas aqui são trípticos de No Martins, conjuntos de três pinturas conectadas por uma única moldura. Em
Campo Minado (figura 1 ) vemos, ao centro, um autorretrato do artista, posicionado com as mãos na parede, expresando uma abordagem policial. ainda, ao centro, além de uma sacola ao chão, um número 13 marcado na parede que, como o próprio No Martins conta, foi a idade que vivenciou o primeiro enquadro policial (Arte|ref, 2019).

 

Nota. Acrílica sobre metal e tela, 220 x 430 cm. Tomada de https://artebrasileiros.com.br/arte/exposicoes/ no-martins-individual-social-signs/ © No Martins, 2019. Reproducida bajo el amparo de las leyes colombiana (Ley 23) y brasileña (art. 46 Lei 9610 de 1998) en tanto que su uso corresponde a una investigación científica, es un uso honrado (de un bien no comercializable) y su difusión en la revista no tiene ánimo de lucro.

 

Figura 1Campo Minado

 

Em uma das partes laterais um outro autorretrato, em uma placa de proibição, com letreiros de fontes diversas formando a frase: «proibido a circulação de individuos fora dos padrões». No outro lado, um conjunto de símbolos de instituições como judiciário, universidade, galeria de arte e banco dispostos com uma câmera de vigilancia que foca o centro da obra e um cone e fita de impedimento, com uma outra placa de proibição indicando «proibido a entrada de pessoas estranhas».

Desse modo, a obra abarca uma multiplicidade de elaborações visuais sobre os regimes de vigilância e de impedimento social direcionados aos sujeitos «fora do padrão» ou «estranhos». Sharpe (2023) posiciona o enquadro policial como uma das principais características da existência negra no vestígio, pela demarcação de antagonismos estruturais: «o baculejo é um rito de passagem que marca, por um lado, o espaço, a raça, o lugar sem direitos e sem cidadania (...) e, por outro, o espaço através do qual os direitos à passagem livre são garantidos para pessoas não negras» (p. 156).

Logo, uma sugestão feita pela obra é a do impacto da relação de jovens negros com o policiamento na interdição ao acesso e à circulação pela experiência social. A «abordagem policial racializada» (Theodoro et al., 2023, p. 14) é, nesse sentido, uma chave para as interdições provocadas pelo dispositivo de racialidade. Em tais ações, conforme a obra Campo Minado nos ajuda a problematizar, os jovens negros são interditados enquanto seres humanos, sujeitos de direito políticos e cognoscentes justamente pela formação de um imaginário de inferioridade, anormalidade, monstruosidade e delinquência endereçados aos corpos e territórios negros (Carneiro, 2023).

Destaca-se que um dos recursos utilizados pelo artista é o autorretrato como possibilidade de indagar a sua condição juvenil negra e a relação/tensão com a polícia. Ao elaborar um autorretrato passando por um enquadro policial, No Martins desloca os próprios sentidos usuais desse gênero de arte visual e produz uma versão situada nos mecanismos de seletividade racial do policiamento.

Senhora Injustiça, na figura 2 , outra obra de No Martins, também composta de três partes, traça de forma explícita um encontro racializado com a polícia e destaca a justiça como ponto central. Em um dos lados da obra, é possível ver viaturas e policiais posicionados, apontando as suas armas ao centro, onde um autorretrato do artista, com os cabelos enrolados no rosto e traços vermelhos formando uma mão. Os números em tela são o do seu registro de identidade. Do outro lado, interações e confrontos com a polícia, algumas pessoas aparecem imobilizadas no chão, outras sendo abordadas e outras insistentes, em algum tipo de confronto.

 

Nota. Acrílica, fotografia, purpurina, spray e óleo sobre tela, 120.5 x 210.3 cm. https://masp.org.br/index. php/acervo/obra/senhora-injustica © No Martins, 2017. Reproducida bajo el amparo de las leyes colombiana (Ley 23) y brasileña (art. 46 Lei 9610 de 1998) en tanto que su uso corresponde a una investigación científica, es un uso honrado (de un bien no comercializable) y su difusión en la revista no tiene ánimo de lucro.

 

Figura 2 Senhora Injustiça

 

 

Leandro Muniz (2022) comenta que esse autorretrato de No Martins pode ser visto como uma paródia da alegoria da justiça, que tradicionalmente é apresentada como uma mulher branca com uma venda nos olhos, pactuando a ideia de uma «justiça cega» e silenciada/ silenciosa, que não e não fala. O contorno de uma mão sobre a boca do autorretrato do artista sinaliza ainda para as interdições de fala e discurso, evidenciando o silenciamento. Muniz (2022) analisa que «a sequência das três telas produz uma narrativa sobre a violência do início, meio e fim das abordagens policiais, porém, a serenidade do autorretrato contrasta com a turbulência das imagens nas laterais» (s. d.). Assim, a centralidade da justiça, com a apresentação de uma imagem mais serena, pode indicar a sua indiferença frente aos atos de violência, de abuso e de letalidade policial.

Theodoro (2022) problematiza o modo como a justiça posiciona-se em relação à violencia policial racializada. Segundo o autor, a seletividade policial geralmente é fortalecida pelo judiciário, ou seja, «o tratamento diferenciado para negros e brancos por parte do Estado policial é chancelado por um Poder Judiciário que respalda a ação discricionária, violenta e parcial da polícia, ação esta que ultrapassa em muito os limites da legalidade» (Theodoro, 2022, pp. 318-319).

Senhora Injustiça questiona a noção e a instituição da justiça no centro das violências policiais ao evidenciála como «injustiça». Dessa forma, além de destacar o racismo como característica da violência policial, podemos entender que a obra também o compreende como um aspecto na atuação do judiciário. Cabe registrar um determinado consenso, entre ativistas e pesquisadores, em uma avaliação negativa sobre «funcionamento da justiça para coibir o racismo na atuação policial» (Sinhoretto & Morais, 2018, p. 22). Além disso, familiares de vítimas da ação letal da polícia, segundo Naidin (2020), empreendem lutas dolorosas e exaustivas nos órgãos de justiça para comprovarem abusos cometidos por policiais.

A presença de crianças, especialmente de meninos pretos, em contato com a polícia, tem centralidade em outras duas obras de No Martins. Em Stop e em Vigiar e Punir, a relação entre as crianças e os adultos policiais pode ser apreciada a partir da interligação dos eixos de subordinação social, racial e geracional. Indicam como a alteridade geracional evidencia uma imagem de subalternidade das crianças em relação aos posicionamentos adultos (Sarmento, 2008), assim como também podemos pensar em relação à racialidade, entre negros e brancos (Carneiro, 2023).

Em Vigiar e Punir (figura 3 ), estão presentes elementos e ações contrastivas: muitos homens, adultos, policiais, com botas, coturnos e escudos em fileira e somente uma criança brincando. A obra nos abre a possibilidade de pensar, por um lado, na relação solitária e vulnerável da criança brincando e o conjunto de homens que a cercam e a policiam. Um contraste de tamanho e escala, geracional, de objetos (brinquedos e aparatos policiais) e de fazeres (brincar e vigiar/punir). Por outro lado, a obra ainda manifesta um sentido rico de afastamento e vazio, especialmente com os fundos nas cores azuis e rosa, na parte da criança, conotando uma expansão e uma profundidade, que nos deixa em aberto o que nesse afastamento. Embora estejam próximos, uma distância entre os policiais e a criança que pode nos acenar tanto para a força e poder da polícia quanto para a vulnerabilidade e a resistência da criança negra brincando.

O título da obra dialoga com essa elaboração visual dos policiais e da criança. Conforme destaca Jean Tible (2022), o policiamento no Brasil, com seus fundamentos coloniais, possui um tradicional aparato de repressão que é responsável pela vigilância e conhecimento de corpos e territórios para sua posterior repressão e punição. Esse binomio da vigilância e punição, tão característico da polícia, e em especial da sua atuação mais perversa, como as de violência e abuso, é destacado por González (2020): «a sistemática repressão policial, dado o seu caráter racista, tem por objetivo próximo a instauração da submissão psicológica através do medo» (p. 85), ou seja, impacta as condições existenciais e subjetivas da população negra

 

Nota. Acrílica sobre tela, 200 x 300 cm. Tomada de https://artebrasileiros.com.br/arte/exposicoes/nomartins- individual-social-signs/ © No Martins, 2020. Reproducida bajo el amparo de las leyes colombiana (Ley 23) y brasileña (art. 46 Lei 9610 de 1998) en tanto que su uso corresponde a una investigación científica, es un uso honrado (de un bien no comercializable) y su difusión en la revista no tiene ánimo de lucro.

 

 

Figura 3 Vigiar e Punir

 

E tal situação se torna ainda mais tensa quando se trata de crianças. Sharpe (2023) nos fala da «impossibilidade da infância negra» ao destacar a existência de um repertorio de representações que são acionadas quando pensamos em uma «criança» e em uma «criança negra», de forma que «o significado de criança, quando apreende a negridade, cai... aos pedaços» (pp. 145-146). Em outras palavras, as crianças negras não são imaginadas, vistas e/ou tratadas com os mesmos sentidos de infância que as crianças brancas, como exemplo, a «inocência» ou o «brincar» infantil.

A esse respeito, Stop (figura 4 ), outra obra de No Martins, organiza em tela, uma cena, ao mesmo tempo, perturbadora e insurgente. Um encontro racializado entre um policial homem branco e um menino negro. Eles se olham: o policial, em uma posição estática, imponente, em continência, e o menino, em movimento, caminha com uma placa de trânsito, escrito «stop» (pare). Outros elementos enriquecem entendimentos, como a farda do policial escrito «Estado» e «State», assim como uma câmera posicionada para o policial.

 

Nota. Acrílica sobre tela, 250 x 200 cm. Tomada de https://ims.com.br/convida/no-martins/ © No Martins, 2020. Reproducida bajo el amparo de las leyes colombiana (Ley 23) y brasileña (art. 46 Lei 9610 de 1998) en tanto que su uso corresponde a una investigación científica, es un uso honrado (de un bien no comercializable) y su difusión en la revista no tiene ánimo de lucro.

 

Figura 4 Stop

 

Essa condição do Estado ser vigiado, ou de que o encontro entre o menino e o policial está sendo filmado pode ser compreendida com a utilização da ironia. Como um recurso fértil para elaborar críticas, a ironia é uma dimensão importante para as artes negras decididas em desvelar sistemas de opressão de forma complexa (Rosa, 2022).

Em Stop e em Vigiar e Punir explorase, de certo modo, um convívio cotidiano de crianças negras, especialmente de meninos pretos, com o policiamento. Conforme Theodoro et al. (2023) refletem, as relações com a polícia possuem impactos na socialização de crianças e de adolescentes e em suas visões sobre essa instituição e política pública de segurança. Assim, se considerarmos que tais fases da vida são cruciais na construção de visões de mundo, o «uso exacerbado de abordagens policiais é nocivo para a visão que os cidadãos têm da instituição policial» e «o excesso de contatos com a polícia afeta sobretudo a confiança que as pessoas depositam nessa instituição» (Theodoro et al., 2023, p. 16).

Além disso, podemos pensar como esse movimento do menino em carregar essa placa concebe-se como um gesto insurgente e de indignação. Segundo Nilma Lino Gomes (2020), os saberes/conhecimentos indignação, embora sejam elaborados históricamente pelas resistências negras, são construídos em contextos de acirramento da violência, de desigualdades e de racismo. Constituem-se um tipo de conhecimento emancipatório e inconformado a partir das experiências de dignidade/indignidade, pois «quanto mais indignas forem as situações, as condições e a forma do racismo se impor aos negros e às negras, mais a dignidade dessas pessoas é atingida» (Gomes, 2020, p. 369). Tais conhecimentos/ saberes indignação, ainda segundo Gomes (2020), são afirmados a partir de gestos, memórias e emoções, e estão presentes, dentre outras lutas, nas ações contra a violencia policial. Assim sendo, o gesto do menino carregando a placa stop, em passagem pelo policial, reveste-se de nuances de insubordinação e de insurgência, considerando que as relações entre infâncias negras e a ação policial geralmente é marcada por abusos e violações (Reis, 2021; Theodoro et al., 2023).

Tal indignação apresenta-se também em Mãe preta (ou a fúria de Iansã), na figura 5, de Sidney Amaral. Nessa obra, está em evidência o enfrentamento de uma mulher negra com um facão com três policiais brancos com armas de fogo. Um deles, com as mãos ensanguentadas, aponta a arma para um jovem negro rendido ao chão.

A imagem e o seu título carregam um conjunto de referências e simbologias. Anunciada pelo próprio artista, a obra é inspirada em uma cena do filme Cristo Rey.[13] O artista, ao denominar a obra de Mãe preta (ou a fúria de Iansã), articula a visualidade a duais dimensões simbólicas da sociedade brasileira. Uma, a Mãe Preta, nominalmente referente às maternidades negras, encarregadas do cuidado dos filhos dos escravizadores, nas casas grandes, constitui-se em uma das figuras mais pulsantes do racismo e sexismo da cultura brasileira (González, 2020). a outra, Iansã, componente do universo religioso afro-brasileiro, é uma orixá guerreira, atuante das tempestades e ventanias. Na expressão visual da obra, ela aparece com roupas nas cores usuais da orixá e com um adinkra aya[14] desenhado no braço.

 

Nota.140x210cm.Tomada de https://artebrasileiros.com.br/arte/artigo/sidney-amaral-entre-a-afirmacao-e-a-imolacao  © Sidney Amaral, 2014. Reproducida bajo el amparo de las leyes colombiana (Ley 23) y brasileña (art. 46 Lei 9610 de 1998) en tanto que su uso corresponde a una investigación científica, es un uso honrado (de un bien no comercializable) y su difusión en la revista no tiene ánimo de lucro.

 

Figura 5 Mãe preta (ou a fúria de Iansã)

 

O gesto da mulher em Mãe Preta e do menino em Stop são ricos para compreendermos os recursos estético-expressivos acionados pelos artistas. Como nos ensina Martins (2021), o gesto é «uma condensação significante, síntese performática por excelência» (p. 85). Martins (2021) defende que os gestos não são somente narrativos ou descritivos, mas são, especialmente, performativos. Desse modo, o gesto é instituinte e criador de ações e significados.

Em Mãe Preta, a cena elaborada é tensa e escapa de uma dicotomia de opressão ou resistência, pois congrega a revolta, a rebeldia e o enfrentamento da mãe, e o poder e a dominação dos policiais. Ela aponta para o contexto existencial que Sharpe (2023) nomeia no vestígio da escravização: «um presente contínuo de sujeição e resistência» (p. 210). Segundo Claudinei Silva (2021), essa obra de Sidney Amaral, manifesta uma «rebelião contra a injustiça» (p. 84).

A obra expressa, em seu núcleo central, o olhar e o gesto firme e furioso da mulher diante de policiais armados e um rapaz imobilizado ao chão, «morto-vivo», para lembrar de uma expressão de Mbembe (2018b, p. 71), acerca da condição de vida em contextos de políticas de morte. A visualidade elaborada por Sidney Amaral congrega em uma cena como é tensa a experiência das mulheres negras na vida social, uma vez que seus filhos, irmãos e/ou esposos são «objeto de perseguição, repressão e violência policiais», como nos denunciava González (2020, p. 58).

Assim, a obra nos permite questionar juntamente com Sharpe (2023) os próprios sentidos e as possibilidades da maternidade negra em uma sociedade antinegra:

Que tipo de mãe/maternidade é essa, se sempre se deve estar preparada com o conhecimento da possibilidade de morte violenta e cotidiana de um filho ou filha? É maternidade saber que seu filho/sua filha pode ser morto/morta a qualquer momento no porão, no vestígio, pelo Estado, não importa quem empunhe a arma? (p. 143)

Trata-se de uma maternidade ultrajada, como anota Rocha (2017), ao destacar que as mães de jovens negros vítimas de violências policiais constituem-se como uma das principais expressões de resistência ao genocídio antinegro no país. Elas são, simultaneamente, «vítimas e principais testemunhas dos atos de violência contínua, estrutural e gratuita do genocídio antinegro. Sua resistência através da posicionalidade de mãe busca evitar, retardar e/ou transcender o genocídio» (p. 62). A autora define as emoções, os discursos, os sentimentos e as estratégias acionadas por essas mães como uma «maternidade ultrajada», sublinhando a experiência íntima com a morte, assim como a expressão de ultraje pela interrupção da maternidade (p. 62).

a obra Bala achada, na figura 6 , de Jota, dispõe uma crítica à violência policial desde o título que é um contraponto à expressão «bala perdida», comumente movilizada para informar e justificar vítimas de homicídios por armas de fogo em atos acidentais, tiroteios ou execuções. Conforme Reis (2021), são «balas que não são perdidas, mas direcionadas aos corpos-alvo» (p. 21).

Nota.100 x100 cm. Tomada de https://www.instagram.com/p/CYKGiX2JzMV/?igshid=MzRlODBiNWFlZA== © Jota, 2021. Reproducida bajo el amparo de las leyes colombiana (Ley 23) y brasileña (art. 46 Lei 9610 de 1998) en tanto que su uso corresponde a una investigación científica, es un uso honrado (de un bien no comercializable) y su difusión en la revista no tiene ánimo de lucro.

 

 

Figura 6 Bala achada

 

As indagações feitas por Tible (2022) acerca das condições de violência e opressão racial, colonial e capitalista do Estado e da sociedade brasileira nos ajudam a pensar e sentir junto com Bala Achada.

 

O que pensar e sentir de um país cujo Estado assassina dessa forma seus cidadãos, nessas situações? No qual o pacto mínimo do chamado contrato social (direito à vida) é desrespeitado desse modo? Como chamar um Estado cujos agentes disparam contra civis de um helicóptero ou de veículos blindados como prática «normal», «correta» ou até celebrada? Uma hipótese para compreender o momento do país é pensá-lo como parte de uma guerra colonial cujas cenas acima situam o quadro: forças policiais e armadas invadindo territórios e oprimindo suas populações, que nos aproximam de situações que vivem Iraque, Síria, Líbia ou Palestina em suas guerras de ocupação. Não é novo, que o Brasil se assenta nisso, no genocídio e na escravidão, e nunca encarou verdadeiramente esse abismo ético e existencial. (p. 242)

A obra cria uma paisagem de acontecimentos, posicionada em frente a um morro com casas. Ao centro três homens carregam um corpo, embrulhado em um lençol branco escorrendo sangue, eles vêm em direção e encaram o centro da obra, olho a olho. A policía encontra-se presente de diferentes formas: em um helicóptero da polícia civil, em um camburão/blindado da polícia militar branco que está estacionado, com a sigla CPP, lembrando a Coordenadoria de Polícia Pacificadora. Policiais armados ladeiam os homens passando com o corpo. A expressão apavorante, sofrida e de terror é sobreposta aos elementos de revolta e de rebelião também presentes na obra.

Ao canto esquerdo um ônibus pega fogo. Uma criança com uniforme escolar do Rio de Janeiro, de mochilas, com um semblante perturbador observa. Um menino, no canto lateral esquerdo da tela, anuncia, em um cartaz, com uma voz/escritura plural, que se junta ao seu corpo: «merecemos viver sem medo de morrer». Esse anúncio, em um contexto de morte, sangue e violência, pode ser compreendido como uma «maneira corajosa de lutar pela recuperação da dignidade roubada» (Gomes, 2020, p. 369).

Um dos policiais aparece com uma farda escrito «porco». Segundo Menezes (2020), «porco» ou «pig» é uma gíria utilizada para designar de forma ofensiva os policiais nos Estados Unidos da América do Norte e tem uma centralidade para as revoltas antirracistas contra a violência e brutalidade policial.[15] Desse modo, a ironia também comparece  na obra, um recurso estético e ético composto por dinâmicas de sarcasmo e sátira frente às relações de poder e opressão (Rosa, 2022).

Em Bala achada estão crianças, notadamente meninos negros, dispostos pela paisagem pesada e violenta, na síntese de um abismo ético e existencial, como diz Tible (2022). Em pesquisa recente, Theodoro et al. (2023) destacaram que entre as experiências e os contatos com forças de segurança pública, a de presenciar a polícia batendo em alguém é maior entre os meninos pretos. Nesse sentido, assim como pessoas negras e periféricas crescem e vivenciam suas infâncias, adolescências e juventudes sendo tensionados por meio da violação de direitos, elas também se expressam e são partícipes dos sentimentos e dos gestos de revolta, de insurgência e de indignação.

As seis obras aqui analisadas elaboram visualidades que nos proporcionam refletir, problematizar, pensar e sentir acerca da «produção cotidiana da desigualdade racial na operação da segurança pública no Brasil» (Sinhoretto & Morais, 2018, p. 21). Tais obras engendram visualidades que expressam corpos negros, especialmente de crianças, adolescentes e jovens, em uma condição tensa com agentes de segurança pública e, portanto, com o Estado. As relações-tensões emergem em obras, tais como Mãe Preta e Bala Achada, que evidenciam, por exemplo, a linha tênue entre a vida e a morte (Bonvillani, 2022; Mbembe, 2018b) em relação aos regimes de vigilância, controle e violência policial.

Regulações e violências essas que estão intrincadas ao racismo de diferentes formas, a saber: desde as abordagens e os enquadros policiais, como em Campo Minado, ao cerco frente às crianças em Vigiar e Punir e Stop, até os rendimentos e as mortes em Mãe Preta e Bala Achada. Todavia, as visualidades também concebem as indignações e as revoltasenfrentamentos vistos de relance em Senhora Injustiça ou no gesto insurgente e de ultraje em Mãe Preta.

De igual modo, desafios e microrebeldias dos meninos negros como, por exemplo, na placa carregada por um em Stop ou no cartaz erguido por outro na cena perversa de Bala Achada. Observa-se ainda que os artistas mobilizam alguns recursos estéticos e políticos, como a intertextualidade com outras obras, a referência explícita às polícias de alguns estados do Brasil, ou à signos da cultura afro-brasileira, assim como a utilização da ironia como produtora de críticas e de sátiras e os autorretratos como gênero de arte visual.

Essa análise permite-nos refletir, em diálogo com a abordagem epistemológica do estudo, como as visualidades negras expressam o contato policial com infâncias e juventudes negras mediando as condições sociais, geracionais e raciais constituintes da sociedade brasileira. Essa mediação, nos termos de Sharpe (2023), rompe e embaralha as dicotomías estritas de opressão ou de resistência e nos exige visualizar suas coexistências e coproduções.

As obras de arte analisadas apontam para algumas cenas centrais dos processos de socialização de crianças e jovens negros, em contatos com o policiamento, o que implica reconsiderar as suas experiências, condições e identidades juvenis e de infância (Dayrell, 2003; Sarmento, 2008; Theodoro et al., 2023). As elaborações artístico-visuais mobilizam algumas gramáticas, gestos e expressões sociais da constituição cotidiana e violenta da racialidade no Brasil (Carneiro, 2023; González, 2020; Theodoro, 2022). As obras expressam momentos de interação social do dia a dia, dos movimentos diários de crianças e jovens em vivência e circulação pela cidade, constantemente vigiados e/ou interditados pelas polícias. A perversa articulação da subordinação sociorracial e geracional destina às crianças e aos jovens negros, em grande medida, sentidos de negatividade e inferioridade —característicos das opressões raciais e etárias.

 


Considerações finais

 

O presente artigo teve como objetivo analisar de que maneira obras de artes visuais, produzidas por jovens artistas negros, elaboram/embaralham visualidades acerca das violências policiais contra juventudes e infâncias negras. Podemos compreender que as expressões visuais analisadas expõem relações-tensões relacionadas aos encontros racializados de jovens e crianças negras com a polícia.

A interpretação crítica das obras selecionadas revela que tais produções artísticas visuais negras não são apenas representações da violência, mas, sobretudo, elaborações produtoras de conhecimentos, estéticas, sensibilidades e éticas que expressam, simultaneamente, contatos marcados por conflitos, vigilâncias, sujeição e morte, assim como o anúncio de resistências, com gestos de insurgência e indignação, com agência de crianças, jovens, mães e comunidades.

Ademais, atentar para as elaborações visuais acerca das presenças de crianças e de jovens negros em relação/tensão com o policiamento abre a oportunidade analítica de aproximarmos de uma «totalidade da realidade social» (Sarmento, 2008, p. 3), uma vez que a infância e a juventude são categorias sociológicas decisivas para a compreensão das tramas sociais contemporâneas. As obras de arte analisadas não se reduzem a contatos e interações entre agentes de segurança pública e crianças e jovens, mas elaboram enredos da complexidade da vida social, com referências a instituições, comunidades e esferas tempo-espaciais diversas. Incidem nas características basilares da formação social brasileira, com especial enfoque aos marcadores sociais de diferença, como raça, classe, geração e território.

Ainda são incipientes os estudos que elegem as obras visuais de jovens artistas negros para compreender a violência policial contra as existências, corpos e territórios negros. Sendo assim, trata-se de uma agenda de pesquisa promissora acompanhar e analizar as produções artísticas e culturais que expressam sentidos e atitudes de vivências de jovens e crianças com agentes e instituições de segurança pública.

Por fim, uma imagem negativa e uma atuação violenta do policiamento são elaboradas nas obras de artes visuais analisadas, assinalamos que é importante problematizá-las acerca da centralidade para a conformação do dispositivo de racialidade no Brasil, fato que se torna decisivo para a garantia do direito pleno à vida de crianças e jovens negros.




Notas

[*] O artigo é derivado do projeto de pesquisa de doutorado intitulado «A dimensão educativa das lutas contra o genocídio da juventude negra: saberes/ conhecimentos produzidos pelos movimentos negros brasileiros» e é financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Programa de Excelência Acadêmica, processo n.º 88887.830064/2023-00, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social da Universidade Federal de Minas Gerais. A pesquisa foi realizada no período de 6 de março a 30 de setembro de 2023. Área: Ciências Sociais. Subárea: Ciências Sociais e Educação..

[1] Negra é uma categoria analítica-política, desde uma perspectiva social das relações raciais, que agrega os sujetos autodeclarados pretos e pardos em razão da proximidade dos seus indicadores sociais em contraponto aos dos autodeclarados brancos. Trata-se de uma abordagem adotada pelos estudos sobre o tema no país nos últimos trinta anos (Ramos, 2021; Theodoro, 2022).

[2] No Martins [1987-], natural de São Paulo, iniciou sua trajetória como artista com a pixação e o grafitti. Além disso, frequentou ateliês de gravura e cursou licenciatura em História e Artes Visuais. Através das artes visuais, plásticas e da performance, No Martins tem uma produção artística voltada para cenas cotidianas da população negra, em relação com racismo, violência urbana e encarceramento.

[3] Sidney Amaral [1973-2017], natural de São Paulo, licenciou-se em Artes Plásticas e obteve formação em pintura acadêmica e fotografia. Atuou como professor de artes na educação básica e como artista trabalhou com esculturas, desenhos e pinturas acrílicas e aquarelas. Sua obra tematiza de diferentes perspectivas as condições sociais das pessoas negras na sociedade brasileira.

[4] Johny Alexandre Gomes [2001-], mais conhecido como Jota, é um artista carioca autodidata, morador do Complexo do Chapadão, periferia na zona norte do Rio de Janeiro. Trabalhando como auxiliar de pedreiro, em 2020 Jota começou a produzir e divulgar suas pinturas. Em suas obras, o artista retrata os cotidianos de sua comunidade, com destaque para cenas de violência e lazer, com foco nas masculinidades.

[5] Ademais, em uma perspectiva legal, no Brasil, considera-se como criança a faixa etária até 12 anos, adolescentes entre 12 e 18 anos e jovens entre 15 e 29 anos, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/ 1990) e o Estatuto da Juventude (Lei 12 852/2013), respectivamente

[6] Carneiro (2023) dialoga com a noção de dispositivo de Michel de Foucault, entendendo-o como uma articulação de múltiplos elementos, uma rede de forças integrante de relações de poder, práticas discursivas, legislações, formas arquitetônicas e postulados morais, filosóficos e científicos.

[7] Na atuação policial brasileira, de acordo com Naidin (2020, p. 2), há uma fronteira complexa e tênue entre o «recurso à força», ou seja, o método de policiamento discricionário e legal, e o «uso da violência», que é ilegítimo e arbitrário. Além disso, cabe ressaltar que a violência policial «não está disseminada de maneira uniforme por toda a corporação» (Naidin, 2020, p. 5)

[8] Destaca-se o Mapa da Violência, realizado desde 1998, pelo sociólogo Julio Waiselfisz, em parceria com instituições de pesquisa e órgãos governamentais; o Atlas da Violência, criado em 2016, organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência, desenvolvido pela Secretaria Nacional de Juventude, também em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública

[9] Na América Latina, e em outros países de língua espanhola, o conceito de juvenicídio tem sido mais utilizado para «tematizar la muerte violenta de los/as jovens em clave de relaciones estructurales de opresión, com responsabilidade central del Estado» (Bonvillani, 2022, p. 18).

[10] A pesquisa abordou os contatos com a polícia a partir de três categorias: contatos indiretos (por exemplo, ver a polícia parar ou revistar alguém); contatos diretos (por exemplo, ser parado pela polícia) e vitimização (por exemplo, ser xingado ou agredido pela polícia; Theodoro et al., 2023).

[11] Sharpe (2023) está interessada em pensar na existência negra no vestígio para entender como «as violências da escravização emergem nas condições contemporâneas de dimensões espaciais, legais, psíquicas e materiais e em outras dimensões da (não) existência negra, bem como em modos negros de resistência» (p. 36).

[12] Aqui conjurar refere-se mais diretamente aos significados de rebelar, insurgir, exorcizar e/ou conclamar.

[13] O filme, de 2013, foi escrito e dirigido por Leticia Tonos, da República Dominicana

[14] Adinkras é um sistema de escrita de símbolos que representam ideias, conceitos, provérbios e aforismos, do povo Ashanti, localizados na África Ocidental. O adinkra «Aya» refere-se ao «símbolo de resistência, desafio às dificuldades, força física, perseverança, independência e competência» (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, s. d.)

[15] Nas duas primeiras décadas do século XX, os movimentos sociais e as ações coletivas antirracistas ao redor do mundo foram fortemente influenciados pelo surgimento do Black Lives Matter [Vidas Negras Importam], em 2013, nos Estados Unidos da América do Norte e, mais recentemente, após o assassinato de George Floyd, em 2020, com o desencadeamento de um ciclo global de protestos antirracistas. No Brasil, ao menos desde o final dos anos 1970, as organizações negras têm denunciado e atuado contra a violência policial que atinge as pessoas negras, a partir de diferentes pontes semânticas como a discriminação racial, a violência racial e o genocídio negro, conforme pesquisa realizada por Ramos (2021).



Referencias

 

Abramowicz, A. (2020). Crianças e guerra: as balas perdidas! Childhood & Philosophy, 16(30), 1-14. https://doi.org/10.12957/childphilo.2020.48358

Arte|ref. (2019). No Martins: «aos que se foram aos que aqui estão e aos que virão». https://arteref.com/dossie/no-martins-aos-que-se-foram-aos-que-aqui-estao-e-aos-quevirao/

Arroyo, M. (2015). O direito à educação e a nova segregação social e racial – tempos insatisfatórios? Educação em Revista, 31(3), 15-47. https://doi.org/ggk4kt

Bonvillani, A. (2022). Juvenicidio: un concepto parido por el dolor. Reflexiones desde una revisión bibliográfica. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 20(3), 417-442. https://doi.org/10.11600/rlcsnj.20.3.5548

Bretas, M. L., & Rosemberg, A. (2013). A história da polícia no Brasil: balanço e perspectivas. Topoi, 14(26), 162-173. https://doi.org/10.1590/2237-101X014026011

Carneiro, S. (2023). Dispositivo de racialidade: a construção do outro como não ser como fundamento do ser. Zahar.

Cerqueira, D. (Coord.). (2018). Atlas da violência 2018. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Dayrell, J. (2003). O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação, (24), 40-52. https://doi.org/10.1590/S1413-24782003000300004

Fletcher, J., Sarraf, A., & Chaves, E. (2015). Conversações entre Artes e Ciências Sociais nos limites do contemporâneo. Amazônica. Revista de Antropologia, 7(2), 403-427. https://doi.org/10.18542/amazonica.v7i2.3453

Flick, U. (2009). Introdução à pesquisa qualitativa. Armed.

Fuente, A. de la (2018). Arte afro-latino-americana. En G. Reid Andrews, & de la Fuente (Orgs.), Estudos afro-latino-americanos: uma introdução (409-467). Clacso.

Gomes, N. L. (2020). A força educativa e emancipatória do movimento negro em tempos de fragilidade democrática. Revista Teias, 21(62), 360-371. https://doi.org/ms26

González, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Zahar. Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (s. d.). Adinkra. Acervo digital. https://ipeafro.org.br/acervo-digital/imagens/adinkra/

Martins, L. M. (2021). Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela. Cobogó.

Mbembe, A. (2018a). Crítica da razão negra. N-1 Edições.

Mbembe, A. (2018b). Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. N-1 Edições.

Menezes, H. (2020). A face animal da brutalidade racista. Instituto Moreira Salles. https://www.revistaserrote.com.br/2020/06/a-face-animal-da-brutalidade-racista-por-helio-menezes/

Metrópolis. (2019, 17 de septiembre). «Campo Minado», do artista visual No Martins, entra em cartaz na Galeria Baró. [YouTube]. https://www.youtube.com/watch?v=O68XyrOras4

Muniz, L. (2022). Comentário curatorial: Senhora injustiça, no martins. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. https://masp.org.br/index.php/acervo/obra/senhora-injustica

Naidin, S. (2020). Letalidade policial: problema ou projeto? Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.

Noguera, R. (2020, 9 de diciembre). Necroinfância: por que as crianças negras são assassinadas? Lunetas. https://lunetas.com.br/necroinfancia-criancas-negras-assassinadas/

Ramos, P. C. (2021). Gramática negra contra a violência de Estado: da discriminação racial ao genocídio negro (1978-2018) [Tese de doutoramento]. Universidade de São Paulo.

Redação Tupi (2023, 29 de septiembre). Reconhecido no mundo das artes, morador do Chapadão inaugura sua terceira exposição individual. Tupi.fm. https://www.tupi.fm/sentinelas/reconhecido-no-mundo-das-artes-morador-do-chapadao-inaugura-sua-terceiraexposicao-individual-2/

Reis, D. dos S. (2021). À prova de balas? Necroinfâncias cariocas, violência de estado e filosofias da rua. Childhood & Philosophy, 17, 1-19. https://doi.org/ms27

Rocha, L. (2017). Morte íntima: a gramática do genocídio antinegro na Baixada Flumi-nense. En A. Flauzina, & J. Vargas (Orgs.), Motim: horizontes do genocídio antinegro na Diáspora (pp. 37-66). Brado Negro.

Rosa, A. da (2022). Ninhos e revides: Estéticas e fundamentos – lábias e jogo de corpo. Editora Nós.

Rede de Observatórios da Segurança (2021). Infância interrompida: Números da violência contra crianças e adolescentes. CESeC.

Sarmento, M. J. (2008). Sociologia da infância: Correntes e confluências. En M. J. Sarmento, & M. C. S. de Gouvêa (Orgs.), Estudos da infância: educação e práticas sociais (pp. 17-39). Vozes.

Sharpe, C. (2023). No vestígio: negridade e existência. Ubu Editora.

Silva, C. R. (2021). Aspectos da pintura de Sidney Amaral. Revista Apotheke, 7(1), 81-84. https://doi.org/10.5965/24471267712021081

Sinhoretto, J., & Morais, D. S. (2018). Violência e racismo: novas faces de uma afinidade reiterada. Revista de Estudios Sociales, (64), 15-26. https://doi.org/10.7440/res64.2018.02

Theodoro, M. (2022). A sociedade desigual: racismo e branquitude na formação do Brasil. Zahar.

Theodoro, R., Piccirillo, D., & Gomes, A. M. (2023). A experiência precoce e racializada com a polícia: contatos de adolescentes com as abordagens, o uso abusivo da força e a violência policial no município de São Paulo (2016-2019). FFLCH; USP; NEV.

Tible, J. (2022). Política selvagem. Glac Edições.

 

 



    Para citar este artículo: Freitas, M. S., & da Silva, N. N. (2024). Artes visuais negras sobre a violência policial contra infâncias e juventudes negras. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 22(2), 1-28. https://doi.org/10.11600/rlcsnj.22.2.6396